Solano
Trindade – Poeta do povo
André Borges
Se vivo estivesse, poeta
negro, Solano Trindade, teria completado 94 anos em 24 de julho próximo
passado. Intelectual ativo e ardoroso defensor do povo, Solano era descendente
de escravos, do que aliás, muito se
orgulhava. Foi um dos mais brilhantes continuadores da luta de libertação dos
negros, iniciada pelo comandante heroico Zumbi dos Palmares.
Filho de um sapateiro e de
uma doméstica, cedo Solano descobriu a sua vocação de poeta, de defensor do
povo e da sua cultura. Razão pela qual é considerado como um dos mais
importantes poetas da negritude brasileira contemporânea, tendo seu nome
dignificado grandemente a luta e a valorização do negro na sociedade brasileira
e internacional.
Ativista do Movimento
Negro, politicamente consciente, Solano Trindade manejou a cultua como um
instrumento de luta. Foi um dos fundadores da Frente Negra Pernambucana, por
ter entendido em sua participação política o quanto se desenvolvia uma política
racista no Brasil, embora bastante camuflada. Cria também o Centro de Cultura
Afro-Brasileira, para a divulgação de artistas negros. É nesse momento que
publica seu primeiro livro “Poemas
Negros”. Dando fundamento concreto ao seu nome profético Solano (vento forte,
na África), participa do Primeiro Congresso Afro-Brasileiro, em Recife, em 1934
e no Segundo, em Salvador, em 1935.
Em busca de maiores
espaços, nos quais pudesse expandir sua várias atividades, antes de vir para o
Rio, Solano rolou pela Bahia, Belo Horizonte, Rio Grande do sul, onde funda, na
cidade de Pelotas, em 1940, um grupo
popular que seria o embrião do Teatro Folclórico Brasileiro e do Teatro Popular
Brasileiro, por ele criados em 1943 e
1949, no Rio. Em São Paulo, implantou um polo do Teatro Popular Brasileiro.
Chegando ao Rio, Solano
foi morar no Catete, mas o crescimento da cidade o empurrou depois para a
Saúde, bairro dos mais antigos da então Cidade Maravilhosa. Com Paulo Armando e
o maestro Abigail Moura, implantou a Orquestra
Afro-Brasileira, em 1944, no âmbito da União Nacional dos Estudantes, a
heroica UNE que a ditadura asfixia vente
anos após. Neste ano também lança o
livro “Poemas de Uma Vida Simples ”, prefaciado por Paulo Armando, o que lhe
valeu nova passagem pela temível polícia de Felinto Muller.
Depois se mudou para a
Baixada Fluminense, mais precisamente para o Município de Duque de Caxias. Poeta já famoso, como bom
boêmio, Solano passou a frequentar o reduto dos intelectuais e poetas da época,
isso lá pela década de 1940 e 50, o bar Vermelhinho, na Rrua Araujo Porto
Alegre, em frente da ABI, onde chegou a ter mesa cativa. Intensificou sua luta
pela democratização do Teatro e sonha com peças populares que seriam montada em
palcos abertos na Cinelândia, Central do Brasil e outras praças da periferia.
Castro Alves deixou as praças para o povo: Solano sonhava com o Teatro para o
povo.
Com o Teatro Popular
Brasileiro, Solano levaria a vários países da Europa a arte negra e popular do
Brasil. Tendo esse lindo sonho desmoronado, por falta de apoio, Solano não se
dá por vencido e, com Abdias Nascimento, cria o Teatro Experimental Negro, que
tantos talentos vai revelar. Espírito agitado, sem nunca se entregar à inércia
o poeta estava sempre lendo, pesquisando, anotando, isso tudo feito sempre com
alegria.
Seus Livros “Poemas
Negros”, “Poemas de Uma vida Simples”, “Seis Tempos de Poesia” e “Cantares ao
Meu Povo” necessitam de reedições, para que assim seja resgatado do
esquecimento em que jaz sepultado o poeta, que nunca esqueceu que o povo tem
fome, e quem tem fome tem pressa. Quem sabe fosse essa a oportunidade da
Secretaria de Cultura do Estado do Rio de Janeiro e o Conselho Estadual dos Direitos do Negro presentearem os Afros-
Brasileiros com a reedição da sua obra. Solano Trindade faleceu em 1974, em
Santa Teresa, com 66 anos. Deixou viúva Maria Margarida, e três filhos: Raquel,
Godiva e Liberto. Em sua homenagem, foi fundado o Centro Cultural Solano
Trindade, em 1986, e seu nome foi dado a um CIEP, em Realengo.
Seus poemas:
O Trem
Trem
sujo da Leopoldina,
correndo,
correndo,
parece
dizer:
tem
gente com fome,
tem
gente com fome,
tem gente com fome...
Piiiii
!
Estação
de Caxias,
de
novo a correr,
de
novo a dizer:
tem
gente com fome,
tem
gente com fome,
tem gente com fome...
Vigário
Geral,
Lucas,
Cordovil,
Brás
de Pina,
Penha
Circular,
Estação
da Penha,
Olaria,
Ramos,
Bonsucesso,
Carlos
Chagas,
Triagem,
Mauá,
trem
sujo da Leopoldina,
correndo,
correndo,
parece
dizer:
tem
gente com fome,
tem
gente com fome,
tem gente com fome...
Tantas
caras tristes,
querendo
chegar,
em
algum destino,
em
algum lugar...
Trem
sujo da Leopoldina,
Correndo,
correndo,
parece
dizer:
tem
gente com fome,
tem
gente com fome,
tem gente com fome...
Só
nas estações,
quando
vai parando,
lentamente,
começa
a dizer:
Se
tem gente com fome,
daí
de comer...
Se
tem gente com fome,
daí
de comer...
Mas
o freio de ar,
todo
autoritário,
manda
o trem calar:
Psiuuuuuuuuuuuu...
Negros
Negros que escravizam
e vendem negros na
África
não são meus irmãos
Negros senhores na
América
a serviço do capital
não são meus irmãos
Negros opressores
em qualquer parte do
mundo
não são meus irmãos
Só os negros oprimidos
escravizados
em luta por liberdade
são meus irmãos
Para estes tenho um poema
grande como o Nilo.