quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

MULHER NEGRA É ACUSADA INJUSTAMENTE DE ROUBO EM CURITIBA PRATICADO POR OUTRA PESSOA

 
Marli Teixeira Leite: "campanhas
educativas serão implementadas"
 
Texto e Edição: Adilson Gonçalves
Uma mulher negra foi acusada por um casal de idosos brancos de ser a autora do furto da carteira de outra mulher, branca, no interior de um ônibus do transporte público de Curitiba. A Polícia foi acionada e após a revista feita pelos policiais militares, alertados por outros passageiros constataram que a verdadeira  autora do furto era outra mulher, branca, que viajava  na parte traseira do coletivo. O caso aconteceu há exatamente uma semana, dia 16, quinta-feira, dentro de um ônibus bi-articulado na capital paranaense.  Um vídeo do incidente foi feito e postado nas redes sociais e até este domingo, 19, tinha atingindo  mais de 8 mil visualizações e 7, 8 mil compartilhamentos. 

 Em nota emitida à imprensa, a Polícia Militar informou que uma guarnição da corporação foi acionada, no dia 16/01/2020, por volta das 14h20, na região central de Curitiba, atendendo à uma comunicação do furto de uma carteira em um bi-articulado, e prontamente agiu. Segundo ainda a assessoria, “Os policiais entraram no ônibus, fizeram uma avaliação imediata e abordaram quem as vítimas indicaram, conseguindo, assim, recuperar os pertences das vítimas idosas que, naquele momento, encontravam-se em situação de vulnerabilidade. A PM abordou, neste caso, uma mulher negra, que foi indicada pelas vítimas, mas fez a abordagem com o consentimento dela, assim como abordou outra mulher, igualmente indicada no local”.
A Assessoria de Direitos Humanos – Promoção da Igualdade Racial  paranaense, através de sua titular,  Marli Teixeira Leite, lamentou o fato:
“É um caso que nos deixa extremamente tristes. Lamentamos que após 132 anos da abolição da escravatura a cor da pele continue definindo as chances de abordagem policial, o tratamento dado pela Justiça, e a intolerância as religiões de matrizes africanas. A Assessoria da Promoção da Igualdade Racial sempre promove campanhas publicitárias para combater o racismo e a injúria racial. Neste ano vamos intensificar os trabalhos”, explicou Marli Teixeira Leite, assessora da Promoção da Igualdade Racial.
As campanhas trabalham com orientações e explicam o que configura os crimes de racismo, preconceito e injúria racial. Marli Teixeira Leite explica ainda que pessoas negras que se sentirem discriminadas podem procurar a Assessoria da Promoção da Igualdade Racial para pedir apoio e orientações.
A Assessoria fica na Rua Barão do Rio Branco, 45, 2º andar, no Centro de Curitiba. O telefone de contato é o 3221-2712.

terça-feira, 21 de janeiro de 2020

NA CONTRAMÃO DO FUTEBOL BRASILEIRO, PONTE PRETA TEM O PRIMEIRO PRESIDENTE NEGRO; CLUBE REINVIDICA AINDA O PIONEIRISMO NA UTILIZAÇÃO DO PRIMEIRO JOGADOR NEGRO

Fonte: El País Edição: Adilson Gonçalves
A Ponte Preta é um dos clubes que se destacam historicamente no combate ao racismo dentro do futebol brasileiro. Logo em 1900, 12 anos após a abolição da escravatura, o primeiro time principal da Macaca contava com Miguel do Carmo, negro e jogador de futebol, antes de qualquer outra equipe do país, motivo pelo qual os pontepretanos reivindicam o título de primeira democracia racial no esporte do Brasil. Apesar do pioneirismo, a equipe campineira demorou mais de um século para eleger um negro como representante máximo da instituição. Foi apenas em novembro de 2019, quando Sebastião Arcanjo, o Tiãozinho, herdou o cargo de presidente do clube após a renúncia de José Armando Abdalla. No momento que assumiu, Arcanjo também se tornou o único presidente negro entre os clubes das séries A e B do campeonato brasileiro. E, na contramão dos principais adversários, ele chegou anunciando três negros e uma mulher para compor a diretoria executiva da Ponte. “Obviamente a inclusão foi um critério, porque ela é necessária e atual”, conta Tiãozinho.
Sebastião foi vereador e deputado estadual pelo PT em Campinas antes de ser eleito vice de Abdalla no time de coração, onde anteriormente atuou como diretor de futebol. Hoje, o mandatário quer usar sua posição no clube para combater as desigualdades que identifica na sociedade. “Em qualquer organização, nós, negros, estamos a quilômetros das tomadas de decisão. No futebol, não somos notados além das quatro linhas. Vivemos em um país que está acostumado a mandar em nós e não a receber nossas ordens, por isso tenho um grande desafio pela frente”, diz o presidente.
Tiãozinho reclama da demora da Ponte em eleger um representante negro, mas admite que o problema reflete a “fotografia” da sociedade brasileira. “O nível de qualificação exigido fora de campo no futebol nos afasta. A estrutura acadêmica do Brasil obriga os mais pobres a escolherem entre estudar e trabalhar, e o negro normalmente precisa escolher o trabalho, o que nos afasta das atividades mais prestigiadas”. O presidente liga a falta de oportunidades ao país “historicamente racista”, mas vê na Ponte Preta, também pelo aspecto histórico do clube, o cenário ideal para combater a discriminação racial.A trajetória dos negros no clube campineiro começa com Miguel do Carmo
Miguel do Carmo
em 1900 e se estende pelos anos seguintes. Doze anos após a fundação, a Ponte Preta venceu pela primeira vez a Liga Operária de Foot-Ball Campineira com três negros no time: Amparense, Moraes e Benedito Aranha. “O goleiro Amparense foi o primeiro ídolo do clube”, conta José Moraes dos Santos Neto, historiador e pesquisador pontepretano. “Ter um presidente negro é resgatar e valorizar a memória da Ponte”, comemora ele.
A partir da década de 1920, a Ponte passou a sair de Campinas para disputar jogos em outras cidades. Conforme relata Neto, a torcida alvinegra acompanhava o time pelo interior paulista através das ferrovias do estado e, quando chegava na cidade onde o time jogaria, fazia o caminho da estação de trem até o estádio festejando pelas ruas. “Esse comportamento da torcida, que era em grande parte formada por mulatos e negros, fez com que ela recebesse o apelido racista de ‘macacada’. Os campineiros pegaram esse
preconceito e usaram como símbolo”. Hoje, a Ponte Preta tem o apelido de Macaca Querida e, além da versão fêmea, tem também um gorila como mascote.
No mesmo período, curiosamente, o clube também começou a receber influência da antiga elite campineira, formado por médios e grandes comerciantes brancos. Segundo o historiador, o fato ajuda a explicar a demora para que a Ponte tenha um mandatário negro. “Faltou representatividade [negra] no comando do futebol, embora ela sempre tenha sido grande entre os torcedores”, comenta Neto. O pesquisador enxerga em Tiãozinho não apenas uma exceção, mas alguém que “conhece a história e age em função da mudança”.A mudança começou a partir da nomeação dos novos componentes da diretoria executiva da Ponte Preta sob o comando de Sebastião Arcanjo. Entre outros,
Marcos
o presidente anunciou Marcos Antonio Ignacio da Silva como segundo diretor financeiro, Sérgio Roberto Acácio como diretor jurídico e Moacir Benedito Pereira como diretor comercial e de marketing. Os três negros vão na contramão do cenário atual do futebol
Sérgio
brasileiro ― somente Goiás e Grêmio possuem negros chefiando diretorias de futebol nas principais divisões do campeonato nacional. Ele também nomeou Graziela Andrade como primeira secretária. “Minhas escolhas também levam em conta os currículos, mas o mito da meritocracia é insuficiente para promover a inclusão em um país marcado pelo racismo”, comenta Tiãozinho.
Moacir
Diretoria e presidente ainda não definiram quem será o diretor de futebol da Ponte em 2020, cargo responsável por comandar o departamento profissional da Macaca. Mas, para Tiãozinho, é certo que a escolha também passará pelo critério da inclusão: “[O critério] precisa ser considerado. Queremos promover um programa racial no clube, não só na diretoria”. O mandatário conta que a ideia inicial ainda precisa ser consolidada e, para isso, mantém contato com a gestão do Bahia, clube que se popularizou ao adotar uma agenda de combate aos preconceitos no futebol. “A partir da conversa com eles, verificaremos quais ações são possíveis para o futuro. Eles são nossa inspiração”, conclui Tiãozinho. “E tomara que possamos inspirar mais clubes”.