sexta-feira, 6 de setembro de 2019

GOVERNADOR WILSON WITZEL SANCIONA LEI DO DEPUTADO CARLOS MINC QUE ATUALIZA PENALIZAÇÕES ÀS PRÁTICAS DE DISCRIMINAÇÕES NO ESTADO DO RJ

Fonte: Alerj/ Edição: Adilson Gonçalves
A Lei 6.483/13 que determina sanções às práticas de discriminações foi atualizada e passou a seguir o Estatuto da Igualdade Racial (Lei Federal 12.288/10). A mudança foi estabelecida pela Lei 8515/19, sancionada pelo governador do Rio, Wilson Witzel, e publicada no Diário Oficial do Executivo, nesta sexta-feira (06/09).
No entanto, o governador vetou o artigo que previa a advertência e a perda de benefícios como acesso a créditos estaduais. Outra parte vetada foi a imposição do pagamento de multas cujos valores poderiam ir de mil a dez mil UFIR-RJ (de R$ 3,4 mil a R$ 34 mil, aproximadamente). A antiga legislação determinava multa de, no máximo, três mil UFIR-RJ, equivalente a R$ 10 mil. Agentes públicos ou militares, no exercício de suas funções, também poderiam ter penalidades disciplinares aplicadas, porém a determinação também foi vetada. Assim como a definição de que o valor da multa seria fixado tendo em vista as condições pessoais e econômicas do infrator, podendo ser elevada até o triplo, dependendo da condição financeira de quem cometeu o crime.

A legislação em vigor já prevê outras sanções, como a suspensão do funcionamento do estabelecimento ou instituição que discriminar ou permitir o ato de racismo por trinta dias. Além desta punição, o novo texto também previa, inclusive, a interdição dos estabelecimentos em caso da reincidência de atos de racismo, mas esse trecho também foi vetado.
A norma não valerá para as instituições religiosas, templos religiosos, locais de culto e outras instituições religiosas. "Esse projeto foi uma demanda dos movimentos sociais levada à Comissão de Combate às Discriminações da Alerj. Eu tenho consciência de que o racismo não acaba por lei, que deva ser uma mudança de cultura, por isso é necessário fazer o cumpra-se e fiscalizar a aplicação desta norma, além de realizar a conscientização nos estabelecimentos comerciais. O objetivo não é arrecadar dinheiro de multa, mas mudar o comportamento discriminatório", afirmou o autor do texto deputado, Carlos Minc (PSB).

quarta-feira, 4 de setembro de 2019

ALERJ ABRE EXPOSIÇÃO ‘OJÚ OLHOS’ SOBRE COMUNIDADES QUILOMBOLAS EM SEU SALÃO NOBRE


Texto: Líbia Vignoli (Ascom Alerj)
Fotos:Thiago Lontra
Edição: Adilson Gonçalves

Santa Rosa e Cecilliano, ao centro.
O salão nobre da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) foi palco, nesta segunda-feira (02/09), do lançamento da exposição fotográfica ‘Ojú Olhos’, que retrata a vida das comunidades quilombolas existentes no Estado do Rio de Janeiro, comparando-as aos quilombos africanos. A mostra está aberta gratuitamente ao público e poderá ser vista até o dia 08 de setembro, sempre a partir das 10h, no Palácio Tiradentes.
Raimundo Santa Rosa, fotógrafo responsável pela mostra, foi homenageado com a Medalha Tiradentes, a mais alta honraria concedida pela Alerj. Ele é um dos fundadores dos Afoxés Agbara Dudu e Alafim Aiyê, que mantêm a tradição da cultura negra há quase 50 anos, sempre pautado na defesa das raízes africanas.
“A melhor forma de retratar um fato é cristalizando através de uma imagem. Uma única fotografia dessas, por exemplo, nos traz inúmeras informações. Quando visitei os quilombos, vi a chance de apresentar uma vasta contribuição para a nossa história. Muitas pessoas sequer sabiam da existência de quilombos no Estado do Rio”, contou Santa Rosa ao falar sobre a iniciativa de produzir essa mostra.
Sobre a condecoração recebida, o fotógrafo se mostrou emocionado. “Só tenho a agradecer à deputada Tia Ju pela homenagem”, disse, referindo à parlamentar autora da concessão da honraria.

Matriarca quilombola


Dona Tetê, musa
Dona Tetê, matriarca há mais de 40 anos do Quilombo São José da Serra, na Região Sul Fluminense do Rio de Janeiro, foi uma das modelos de Santa Rosa durante sua visita à comunidade. Acompanhada de suas filhas, ela compareceu à solenidade de lançamento da exposição e se mostrou bastante emocionada em ver seu povo registrado.
“A primeira casa que Santa Rosa visitou foi a minha. Senti como se fosse um filho da terra. Ele chegou ao quilombo à tarde, jantou comigo, e vi nele uma pessoa de bem. Sabia que nosso povo seria representado de forma tão bonita”, contou Dona Tetê orgulhosa de sua gente.


terça-feira, 3 de setembro de 2019

YARA E YACY SÁ, IRMÃS GÊMEAS: DE ORIUNDAS DE UM QUILOMBO NO MARANHÃO, PARA A CAPA DE MARIE CLAIRE E O MUNDO


Fonte: Revista Marie Clair/
 Edição: Adilson Gonçalves

As aparências enganam no caso das gêmeas Yacy e Yara Sá.
Embora idênticas fisicamente, têm personalidades bem distintas.
Yacy é desinibida, nutricionista por formação e se emociona ao falar
da mãe; Yara é mais tímida, se dá bem em exatas e é formada em
Ciência da Computação pela Universidade Federal do Maranhão, a
mesma da irmã. “Crescemos com a responsabilidade de ser a
geração da família a se formar na faculdade”, explica Yara.
Filhas da agente penitenciária – e costureira nas horas vagas –
Maria Santana, as duas nasceram em São Luís, capital do estado.
A cerca de 200 quilômetros dali fica Viana, cidade natal de Maria,
que abriga comunidades quilombolas em sua extensão. “Nosso avô
materno era carroceiro e nossa avó tinha a hortinha dela em casa, e
ajudava vendendo as verduras e os legumes que plantava. Minha
mãe teve uma infância bem pobre. Parte da área onde nasceu e se
criou é remanescente de quilombos, por isso temos características
físicas tão fortes, como nossa cor e feições”, conta Yacy.
Foi quando mudou-se para a capital, já adulta e mãe de seu
primeiro filho, que Maria conheceu o pai das meninas, um eletricista
industrial. Casaram-se e tiveram três filhas: a irmã do meio, hoje
com 35 anos, e as gêmeas, de 33. “Nosso pai não se fixava em São
Luís: viajava, quando uma empresa o admitia, para o Pará, para
Recife, e assim foi rodando o Brasil. Por um tempo, mandava
notícias e visitava a gente nas férias, mas depois ficava mais de um
ano sem vir nos ver e não ajudava financeiramente. Nossa mãe era
mãe e pai também, deu duro para nos criar e dar tudo o que
tivemos”, lembra Yacy.
"Quando adolescentes, víamos as modelos nas revistas e não nos identificávamos. Não enxergávamos nossa beleza”"
Yara Sá
Na infância, a rotina da mãe que trabalhava três dias da semana
como costureira, as influenciou a gostar de moda. “Pra gente,
aquele era o momento de estar perto dela, de fazer as coisas junto.
Crescemos folheando revistas, aprendemos a cortar molde de
roupa, arrematar tecido, abrir costura... Tudo para tornar o trabalho
dela um pouco menos cansativo.” Daí a decidirem seguir a carreira,
porém, foram muitos anos e um longo processo de autoaceitação.
“Quando adolescentes, a gente via as modelos nas revistas e nos
comerciais e não se identificava. Tinha aNaomi [Campbell], mas
ela tem aquele padrão europeu, cabelo alisado. Não enxergávamos
beleza na gente. Por isso seguimos o caminho mais seguro: estudar
muito, fazer faculdade, ter um emprego formal”, explica Yara.
Em 2017, de tanto ouvirem das pessoas que deveriam ser modelos
e de verem uma mudança na indústria, Yacy conta que decidiram

investir na carreira e procurar uma agência – depois dos 30, o que é
uma exceção muito bem-vinda no mercado. “Começamos a
perceber que a moda e a beleza estavam se diversificando e
pensamos: ‘será que agora vão aceitar a gente?’. Nos últimos dez
anos, quando mais mulheres negras passaram a ser protagonistas
nessa área, passamos a nos notar, nos achar bonitas e até usar
nosso cabelo natural”, completa Yara.



"Por sermos negras, tínhamos que mostrar nossa competência o tempo todo para não sermos humilhadas pelas pessoas”"

Yacy Sá
A partir daí, o processo evoluiu como o da maioria das new faces:
foram para São Paulo, assinaram contrato com uma agência,
voltaram para São Luís para produzir material fotográfico enquanto
aguardavam trabalhos e mudaram-se definitivamente para a capital
paulistana no segundo semestre de 2018. No fim do ano, um
presente para a mãe: estamparam o primeiro editorial de moda para
uma revista, justamente aqui na Marie Claire. “Nossa mãe ia toda
semana na banca perguntar se tinha chegado a revista. Ela a
carregava na bolsa para cima e para baixo, mostrava para todo
mundo e falava que eram as filhas dela, cheia de orgulho”, conta
Yara. “A gente não tinha noção de que ainda podia realizar esse
sonho, chegar aonde chegamos”, diz Yacy.

Questão de idade

“Na indústria da moda, infelizmente, a beleza que se vende é a
beleza jovem. Tem gente que diz que a carreira acabou pra gente,
que vamos ficar só nisso, que já passou o momento de
‘acontecermos’ e, por isso, não vamos muito longe. Já aconteceu
de ‘amigos’ que fizemos nesse meio se afastarem quando
descobriram nossa idade. Parece que criaram uma expectativa de
sermos top models internacionais e poderem dizer que são nossos
amigos, mas se frustraram. Quem leva isso numa boa são outras
modelos, nossas amigas”, diz Yara. “Nossa aparência é
incompatível com a nossa idade, sabemos. Tanto que, na agência,
ficaram surpresos com essa questão, não sabem como lidar com
isso até hoje. Mas para sonhar não tem idade. Você pode sonhar
enquanto viver, e viver para tentar realizar”, completa Yacy.


Resistência materna

“Nossa mãe sempre nos ensinou que, por sermos negras, tínhamos
que mostrar nossa competência o tempo todo. Tínhamos que
estudar e adquirir conhecimento para não sermos humilhadas pelas

pessoas, nos provando a todo momento. No serviço, ela costurava
as próprias roupas, sempre impecáveis. Os amigos de trabalho a
chamavam de ‘nos trinques’, porque ela sempre estava belíssima.
Ela conta que, na época, não existia farda para agentes
penitenciários nem uniforme para presidiários e, no Maranhão, a
maior parte da população carcerária é de preto e pobre. Um dia,
quando foi escoltar uma detenta num julgamento, o juiz, branco,
olhou e perguntou: ‘Quem é a presa?’. Isso a marcou muito, ela
morria de medo de ser confundida só por ser negra. Por isso
sempre orientou a nos vestirmos bem, falarmos bem”, diz Yacy.

"Pretinhas calçadas"

“A gente estudou em escola e faculdade públicas, tivemos uma
infância pobre. Tentávamos de todas as maneiras ajudar em casa,
economizando, trabalhando desde cedo. Nossos avós maternos
criaram os filhos numa situação de precariedade. Minha mãe conta
que, às vezes, não tinham o que comer, só arroz com farinha.
Mesmo assim, nosso avô trabalhava duro o ano inteiro para poder
comprar sapatos para os filhos no final, ver ‘todos os pretos
calçadinhos’, como ele dizia. Isso porque, na época da escravidão,
o que diferenciava o negro livre do negro escravo era se tinham
sapato ou não, e aquilo era muito forte para ela. Tanto que, na
nossa infância, a gente viu mamãe comprar muitos sapatos,
tínhamos vários. Ela se preocupava com isso e dizia: ‘As minhas
pretinhas estão calçadas, não são pretas descalças’”, conta Yacy.

Sobre representatividade

“Nós somos feministas. Passamos a conhecer mais sobre o
movimento nos últimos cinco anos, quando vimos que mulheres
negras estavam falando mais sobre isso. A Djamila [Ribeiro] é
uma referência. A Chimamanda [Ngozi Adichie]... Ela escreve tão
bem, fala de dores comuns a nós, negros. Entendemos a
importância de buscar nossa ancestralidade, ter respeito pelas
nossas origens, ser conscientes da nossa cor. E a Michelle
Obama também. Mesmo não sendo no Brasil, a gente ficou na
maior empolgação de ver uma família negra na presidência. A
Michelle tem sabedoria, elegância, beleza. A assistíamos e
pensávamos: ‘Nossa, é possível ter tudo isso e ser negra?’. É
incrível enxergar, por elas, onde podemos chegar. Na moda,

olhamos para Adut Akech, Maria Borges, Jeneil Williams. Elas

são nossas inspirações”, diz Yara.

segunda-feira, 2 de setembro de 2019

ASSOCIAÇÃO NACIONAL DA ADVOCACIA NEGRA - ANAN- É LANÇADA EM SÃO PAULO PARA COMBATER O RACISMO ESTRUTURAL NA ÁREA DO DIREITO



Texto e Edição: 
Adilson Gonçalves

Foi lançada, em São Paulo, a Associação Nacional da Advocacia Negra (Anan). O evento aconteceu no Auditório Franco Montoro,na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp). A entidade,  criada em 2016 pelo advogado Estevão Silva, conta com mais de 1,5 mil profissionais associados em todo o país e surgiu por conta das dificuldades que os advogados negros têm enfrentado no mercado de trabalho. O objetivo é desenvolver estratégias de combate ao racismo estrutural na área do Direito. Dados do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdade (Ceert) mostram que presença de advogados negros em grandes escritórios, por exemplo, ainda é baixa. Entre os profissionais brancos, 10,1% são estagiários e 48,3% são sócios e advogados juniores, plenos ou seniores. Já entre os negros, 9,4% são estagiários e nos cargos mais elevados, o número é estatisticamente irrelevante, menos de 1%.

Rosana Rufino, vice-presidente da Anan e advogada especialista em Direito da Família e do Consumidor, acredita que a disparidade no mercado de trabalho levará tempo para diminuir. Diante disso, ela explica que uma das iniciativas da associação é a capacitação de advogados negros para eles empreenderem. “Queremos fomentar a gestão de negócios dentro da própria comunidade negra para que os advogados tenham seus próprios escritórios e contratem profissionais negros de outras áreas também”, afirma. “É com o aumento da nossa atuação dentro dos órgãos públicos e privados que teremos força para lutar pelos direitos da população negra”, acrescenta.

 
Para o presidente da Subseção OAB de Santana, Peter Souza, a iniciativa é extremamente necessária. "O único advogado negro que assumiu a seccional da OAB foi Benedito Galvão em 1941, e de forma interina". Ele disse ainda que menos de 1% dos escritórios de advocacia do Brasil tem em sua composição advogadas e advogados negros. 
A deputada Mônica da Bancada Ativista (PSOL) foi quem propôs o evento. Para ela, o trabalho do grupo vai além de atuar contra causas racistas. "É também para se auxiliarem numa questão solidária de curadoria, no cuidado com a carreira para a expansão. Quanto mais advogados negros tiverem, mais chance teremos de conseguir uma justiça de fato justa, igualitária e que pratique de verdade o bem para todos". 

Segundo a socióloga Vilma Reis, dos 18 mil juízes do país, apenas 2,3% são negros. "É este o quadro e é assim que a população negra é vista dentro da justiça criminal. Quase que exclusivamente todos são clientes do sistema e não os agentes públicos de transformação do mesmo", disse. 
A entidade tem como norte os advogados Luiz Gama, considerado fundamental no processo de abolição da escravatura, e Esperança Garcia, primeira advogada negra do Piauí. “São exemplos de pessoas que fizeram a transformação para ocupar espaços de poder e de liderança”, comenta Rosana Rufino.