sexta-feira, 18 de outubro de 2019

COLUNA DO ANDRÉ BORGES


Solano Trindade – Poeta do povo 

André Borges
         
Nascido em Recife, no bairro São José, Francisco Solano Trindade já encontrou os negros gozando de relativa liberdade outorgada pela princesa Isabel, filha de D. Pedro II, mas na verdade, conquistada pelos lutadores abolicionistas, entre os quais se destacaram Luis Gama, em São Paulo,, o Tigre da Abolição, o negro campista José do Patrocínio e Joaquim Nabuco. Mas os negros ainda eram vítimas de novos grilhões: o preconceito racial, a pobreza, os obstáculos à ascensão social, a existência nas favelas e mocambos, o subemprego, pois o negro saíra da mão-de-obra não paga na escravidão à mão-de-obra mal paga nas subtarefas das cidades.
Se vivo estivesse, poeta negro, Solano Trindade, teria completado 94 anos em 24 de julho próximo passado. Intelectual ativo e ardoroso defensor do povo, Solano era descendente de escravos, do que aliás,  muito se orgulhava. Foi um dos mais brilhantes continuadores da luta de libertação dos negros, iniciada pelo comandante heroico Zumbi dos Palmares.

Filho de um sapateiro e de uma doméstica, cedo Solano descobriu a sua vocação de poeta, de defensor do povo e da sua cultura. Razão pela qual é considerado como um dos mais importantes poetas da negritude brasileira contemporânea, tendo seu nome dignificado grandemente a luta e a valorização do negro na sociedade brasileira e internacional.
Ativista do Movimento Negro, politicamente consciente, Solano Trindade manejou a cultua como um instrumento de luta. Foi um dos fundadores da Frente Negra Pernambucana, por ter entendido em sua participação política o quanto se desenvolvia uma política racista no Brasil, embora bastante camuflada. Cria também o Centro de Cultura Afro-Brasileira, para a divulgação de artistas negros. É nesse momento que publica seu primeiro livro  “Poemas Negros”. Dando fundamento concreto ao seu nome profético Solano (vento forte, na África), participa do Primeiro Congresso Afro-Brasileiro, em Recife, em 1934 e no Segundo, em Salvador, em 1935.
Em busca de maiores espaços, nos quais pudesse expandir sua várias atividades, antes de vir para o Rio, Solano rolou pela Bahia, Belo Horizonte, Rio Grande do sul, onde funda, na cidade de Pelotas, em 1940,  um grupo popular que seria o embrião do Teatro Folclórico Brasileiro e do Teatro Popular Brasileiro, por ele  criados em 1943 e 1949, no Rio. Em São Paulo, implantou um polo do Teatro Popular Brasileiro.

Chegando ao Rio, Solano foi morar no Catete, mas o crescimento da cidade o empurrou depois para a Saúde, bairro dos mais antigos da então Cidade Maravilhosa. Com Paulo Armando e o maestro Abigail Moura, implantou a Orquestra  Afro-Brasileira, em 1944, no âmbito da União Nacional dos Estudantes, a heroica UNE que a  ditadura asfixia vente anos  após. Neste ano também lança o livro “Poemas de Uma Vida Simples ”, prefaciado por Paulo Armando, o que lhe valeu nova passagem pela temível polícia de Felinto Muller.
Depois se mudou para a Baixada Fluminense, mais precisamente para o Município de  Duque de Caxias. Poeta já famoso, como bom boêmio, Solano passou a frequentar o reduto dos intelectuais e poetas da época, isso lá pela década de 1940 e 50, o bar Vermelhinho, na Rrua Araujo Porto Alegre, em frente da ABI, onde chegou a ter mesa cativa. Intensificou sua luta pela democratização do Teatro e sonha com peças populares que seriam montada em palcos abertos na Cinelândia, Central do Brasil e outras praças da periferia. Castro Alves deixou as praças para o povo: Solano sonhava com o Teatro para o povo.
Com o Teatro Popular Brasileiro, Solano levaria a vários países da Europa a arte negra e popular do Brasil. Tendo esse lindo sonho desmoronado, por falta de apoio, Solano não se dá por vencido e, com Abdias Nascimento, cria o Teatro Experimental Negro, que tantos talentos vai revelar. Espírito agitado, sem nunca se entregar à inércia o poeta estava sempre lendo, pesquisando, anotando, isso tudo feito sempre com alegria.
Seus Livros “Poemas Negros”, “Poemas de Uma vida Simples”, “Seis Tempos de Poesia” e “Cantares ao Meu Povo” necessitam de reedições, para que assim seja resgatado do esquecimento em que jaz sepultado o poeta, que nunca esqueceu que o povo tem fome, e quem tem fome tem pressa. Quem sabe fosse essa a oportunidade da Secretaria de Cultura do Estado do Rio de Janeiro  e o Conselho Estadual  dos Direitos do Negro presentearem os Afros- Brasileiros com a reedição da sua obra. Solano Trindade faleceu em 1974, em Santa Teresa, com 66 anos. Deixou viúva Maria Margarida, e três filhos: Raquel, Godiva e Liberto. Em sua homenagem, foi fundado o Centro Cultural Solano Trindade, em 1986, e seu nome foi dado a um CIEP, em Realengo.

Seus poemas:

O Trem


Trem sujo da Leopoldina,
correndo, correndo,
parece dizer:
tem gente com fome,
tem gente com fome,
tem  gente com fome...

Piiiii !

Estação de Caxias,
de novo a correr,
de novo a dizer:
tem gente com fome,
tem gente com fome,
tem  gente com fome...

Vigário Geral,
Lucas, Cordovil,
Brás de Pina,
Penha Circular,
Estação da Penha,
Olaria,
Ramos,
Bonsucesso,
Carlos Chagas,
Triagem, Mauá,
trem sujo da Leopoldina,
correndo, correndo,
parece dizer:
tem gente com fome,
tem gente com fome,
tem  gente com fome...

Tantas caras tristes,
querendo chegar,
em algum destino,
em algum lugar...
Trem sujo da Leopoldina,
Correndo, correndo,
parece dizer:
tem gente com fome,
tem gente com fome,
tem  gente com fome...

Só nas estações,
quando vai parando,
lentamente,
começa a dizer:
Se tem gente com fome,
daí de comer...
Se tem gente com fome,
daí de comer...

Mas o freio de ar,
todo autoritário,
manda o trem calar:
Psiuuuuuuuuuuuu...


Negros


 Negros que escravizam
e vendem negros na
África
não são meus irmãos

Negros senhores na
América
a serviço do capital
não são meus irmãos

Negros opressores
em qualquer parte do
mundo
não são meus irmãos

Só os negros oprimidos
escravizados
em luta por liberdade
são meus irmãos
Para estes tenho um poema
grande como o Nilo.

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