terça-feira, 26 de novembro de 2019

FALTA DE DIVERSIDADE NAS REDAÇÕES ESCONDE RACISMO ESTRUTURAL DO JORNALISMO E DIFICULTA O DEBATE SOBRE DESIGUALDADE ENTRE NEGRO E BRANCOS

Na lista dos dez jornais com maior circulação, Estado de São Paulo, Extra, O Tempo, Super Notícia e Daqui não apresentaram qualquer menção ao Dia da Consciência Negra na capa da edição impressa
Fonte: GGN/ Texto: Andressa Kikuti
 e Janara Nicoletti
 Edição: Adilson Gonçalves
A presença ou não de diversidade e pluralidade da mídia reflete os princípios e valores da organização e também da sociedade a qual ela representa. Talvez por isso, haja tão pouco debate sobre o racismo e o abismo de oportunidades entre negros e brancos no Brasil. Esta realidade ficou bastante clara no dia 20 de novembro, quando é celebrado o Dia da Consciência Negra. Apesar de fazer parte da agenda nacional e em várias cidades brasileiras ser até feriado, a pauta ganhou pouca valorização entre os dez jornais com maior circulação média em 2018, segundo o Instituto Verificador de Circulação (IVC). Além disso, em outros periódicos regionais, o assunto também ganhou pouco destaque. Muitos sequer o abordaram. Como é possível num país com mais da metade da população negra ou parda não priorizar essa pauta?
Para se ter uma ideia, na lista dos dez jornais com maior circulação, Estado de São PauloExtraO TempoSuper Notícia e Daqui não apresentaram qualquer menção à data na capa da edição impressa. Já Folha de S. PauloO GloboZero HoraO TempoCorreio do Povo e Diário Gaúcho trouxeram matérias sobre a data, alguns desenvolveram pautas especiais, mas no geral em tom comemorativo ou valorizando algum projeto social em busca do ¨resgate¨ da cultura negra. A desigualdade social e o preconceito sofridos pela população negra no país mereceram pouco destaque nas chamadas de capa.
Apenas O Tempo trouxe manchete sobre o problema da prevalência de negros e pardos entre os desempregados do país. Folha e O Globo apresentaram fotos de destaque sobre o tema, mas o primeiro abordou o resgate da cultura pelo turismo e a necessidade de ir além da negritude, e o segundo apresentou um factual sobre o salão de livros carioca. Com menos destaque abordou a falta de diversidade em carreiras de ¨elite¨, nas quais os negros têm baixa entrada. O termo ¨elite¨, de alguma forma, já apresenta um sinal de diferenciação entre negros e brancos. Por mais que se busque debater a lacuna social, o tratamento ajuda a ampliar a desigualdade. O mesmo se verifica na chamada de O Estado de Minas (não listado entre os dez com maior circulação). Na capa, a manchete buscava valorizar o legado da população negra, porém, destacava sua importância ao lado de indígenas e portugueses. Considerando a data, existe aí um elemento que reduz o protagonismo dos descendentes de africanos no país, mesmo sem querer.
No jornal Correio do Povo, um especial buscou lembrar as raízes negras do Rio Grande do Sul, ¨embranquecida¨ ao longo dos anos num processo de esquecimento da presença dos negros (e da escravidão) no estado. O jornalista Flávio Bandeira, de 34 anos,  questiona: ¨Qual o medo da sociedade de que algum negro chegue a uma posição de destaque? Isso é uma coisa que eu penso muito todo dia. Vemos que somos praticamente invisíveis¨. Segundo seu depoimento na reportagem, ele nunca se viu representado nos livros de história, nos monumentos. Apesar de esta ser uma abordagem relacionada a um estado sulista, ela está presente em todo o país, e também na mídia.
Existe uma invisibilização do negro no discurso da imprensa: pela baixa
diversidade de vozes, pela falta de representatividade nas imagens, as pautas que não debatem criticamente a desigualdade estrutural, na composição das redações. Recentemente, uma foto postada por Maju Coutinho,
apresentadora do Jornal Hoje, denunciou a falta de diversidade da equipe na qual ela trabalha. Na imagem, a única negra era Maju. A redação retratada não diverge muito da realidade da imprensa brasileira: em geral, a mídia é branca, de classe média, e fala para brancos, de classes média e alta (é esta a parcela da população com maior empregabilidade, educação e renda). A baixa atenção de alguns dos principais jornais brasileiros repercute, então, a baixa diversidade racial das redações, bem como o racismo latente existente na sociedade brasileira.

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