*Álvaro Caldas
Edição: Adilson Gonçalves
O velho e aclamado estádio do Maracanã, onde já se disputou uma trágica Final de Copa do Mundo e Pelé fez o milésimo gol, foi palco na noite de um sábado (12/10) de um encontro inusitado, que se transformou num fato midiático de grandes proporções. Lá estavam, à beira do gramado como dizem os locutores de rádio, dois homens negros que se cumprimentaram orgulhosamente. Como treinadores de dois times da série A do campeonato brasileiro, eles protagonizaram uma cena histórica, reveladora da extensão do preconceito e da discriminação racial no mundo do futebol. Num esporte majoritariamente disputado por negros e mulatos, suas grandes estrelas, eles são os únicos treinadores negros na primeira divisão.

Na noite que escancarou o preconceito, Marcão e Roger se abraçaram antes do jogo vestindo uma camiseta com os dizeres Chega de Preconceito, numa ação promovida pelo Observatório da Discriminação Racial no Futebol, que monitora casos de ofensas raciais no ambiente esportivo. Para Roger, que já passou pelo Grêmio, Palmeiras e Atlético Mineiro, a escassez de técnicos negros no futebol reflete o racismo estrutural da sociedade brasileira. “A estrutura social sempre foi racista”, disse sem subterfúgios.

Da mesma forma em que não há técnicos, não há cartolas ou dirigentes negros. Parte considerável dos cartolas em atividade nos clubes é formada por pessoas folclóricas e muitos já responderam e respondem a acusações de corrupção, nos clubes, nas federações e na CBF. Tetracampeão mundial, o ex-volante Mauro Silva, que começou nas categorias de basedo Guarani, tornou-se uma exceção. É o único dirigente negro nas federações nacionais, ocupando a vice-presidência da Federação Paulista de Futebol. Conforme revelou o jornal El País, Mauro fez faculdade de informática com especialização em gestão financeira.
Clube de Regatas Vasco da Gama recusou-se a disputar a divisão principal do Rio sem seus jogadores negros, maioria num time de operários, conforme exigência imposta pelos dirigentes dos demais clubes, numa época em que o futebol era privilégio da elite branca. Os “camisas negras” do Vasco, segundo os cartolas rivais, “não apresentavam condições sociais apropriadas para o convívio esportivo”.
Racismo descarado. Despejado, o clube criou outra Liga, foi campeão e devido a seu sucesso chamado a juntar-se aos demais na associação de onde fora expulso. Voltou com o seu time de negros. Luta histórica que consagrou o Vasco como o clube que abriu as portas do futebol para a turma que teria Leônidas, Garrincha e Pelé entre seus ídolos. Vitória que não se consolidou porque a sociedade continua racista. Tema que levou o jornalista e escritor Mário Rodrigues Filho, que dispensa a referência ao irmão mais famoso, Nelson, para ser apresentado, a escrever um livro pioneiro sobre a questão.

Este tom conciliador mudou com os acréscimos feitos na nova edição da Civilização Brasileira, em 1964, pouco depois do golpe militar. Em vez da harmonia social, a Civilização, uma editora de livros de esquerda, quis realçar o caráter de luta contido na trajetória dos negros para conquistarem seu espaço no esporte. O momento é ideal para o técnico Roger Machado e seu amigos engajados reconstituírem a violência desta história num livro que contribua para mudar a estrutura que mantém a sociedade racista.
*Jornalista e escritor
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