Fonte: Carta Capital/Edição: Adilson Gonçalves
Um
dado alarmante ilustra a gravidade do racismo na sociedade brasileira: a cada
dez jovens (de 10 a
29 anos) que cometem suicídio, seis são autodeclarados negros. O levantamento,
do Ministério da Saúde (MS), revela não somente uma disparidade racial, como
também a necessidade de políticas públicas mais eficientes para a população
negra.
A cartilha Óbitos por
Suicídio entre Adolescentes e Jovens Negros, lançada pelo MS, mostra que entre
2012 e 2016 o número de casos com pessoas brancas permaneceu estável, enquanto
o das negras aumentou 12%. “É curioso saber que esse aumento acontece em um
contexto que nos leva a pensar em quais formas a população negra tem se
organizado diante do racismo”, contesta a psicóloga Mônica Gonçalves, que
estuda relações raciais e atua no campo de pesquisa da Saúde Pública. Para ela,
o racismo é uma condição social que unifica todos os negros e, por isso, não
seria possível saná-lo com uma única política reparatória, o que torna
necessária a articulação de diferentes ações interseccionais.

Instituída
em 2009, a
Política Nacional de Saúde Integral da População Negra visa garantir a equidade
e a efetivação do direito à saúde de negras e negros. Contudo, ela ainda é
pouco aplicada nos equipamentos de saúde do Estado. Prova disto é que,
segundo um levantamento da Secretaria de Estado de Saúde de São Paulo,
somente 57 municípios brasileiros, dentre os mais de 5 mil existentes no país,
a colocaram em prática. “É uma política importante, de caráter reparatório que
reconhece o racismo institucional. Por ser integral significa que ela
deveria ser implementada em todas as esferas das instâncias do SUS, desde a
atenção primária até a alta complexidade.”, defende Gonçalves.
O Ministério da Saúde mostra que em 2016 o
risco de um jovem negro cometer suicídio foi de 45%. O número, demasiadamente
alto, pode ser ainda maior. O professor e psicólogo Paulo Navasconi relembra
que os dados são muitas vezes subnotificados e que alguns estudos estimam o
triplo das quantidades divulgadas.
Navasconi é autor do livro “Vida,
Adoecimento e Suicídio”, que aborda a negligência da literatura científica
quanto à interseccionalidade dos marcadores de raça, classe e gênero, e os
efeitos político-científicos desse silenciamento. A obra aborda, através de uma
perspectiva da psicologia, conceitos como epistemicídio, colonialidade do
saber, dispositivo de racialidade, racismo epistêmico, branquitude e
heteronormatividade
“ Quando os negros não são mortos pela mão do estado, são mortos na mão de uma sociedade
deliberadamente racista. O racismo estrutural é um determinante de saúde e
direitos.”, afirma o autor.
Pesquisas recentes vêm apontando que o
suicídio é uma prática multifatorial, isto é, acontece por questões econômicas,
sociais, biológicas e culturais. “Por que não enxergamos a
raça como um determinante de saúde? O racismo afirma e
reafirma que corpos negros são inferiores, feios e incapazes. É como aquela
frase ‘eu me faço a partir do olhar do outro’, de que modo esse outro me
olha?”, questiona Navasconi.
NÚMEROS DESIGUAIS
A desigualdade racial é evidenciada em diferentes pesquisas e
estudos científicos, sendo possível identificá-la em todos os campos sociais,
culturais e econômicos. Tomemos como exemplo alguns dados:
·
O terceiro trimestre de 2018 registrou a taxa de
desemprego maior entre pessoas pardas (13,8%) e pretas
(14,6%).(Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua –
PNAD).
·
No quarto trimestre de 2018, as pessoas que se declararam
brancas tiveram rendimento mensal médio de R$ 5.416, já os os pardos de R$
2.467 e os negros de R$ 1.746. (Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios Contínua – PNAD).
·
A taxa de analfabetismo entre pretos e pardos em
2017 foi 9,9%, enquanto a de brancos foi menos que a metade (4,2).
(Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE).
·
A cada quatro pessoas assassinadas pela polícia no Brasil, três
são negras, o que representa 76,2% do total. (Fonte: Fórum Brasileiro de
Segurança Pública)
O SUICÍDIO
Na tentativa de romper com
sofrimentos, sobretudo mentais, muitas pessoas acabam com a própria vida.
Segundo a Organização Mundial da Saúde, cerca de 800 mil suicídios acontecem
por ano e essa é a segunda principal causa de morte entre jovens com idade
entre 15 e 29 anos. Navasconi acredita que para solucionar esta
questão é preciso, principalmente, falar sobre projeto de vida. “Penso que nas
estratégias mais práticas precisamos de ações nas escolas, nos programas de
saúde e monitoramento da efetivação das ações”, defende.
O Centro de Valorização da Vida (CVV)
é uma associação civil sem fins lucrativos que trabalha com a prevenção do
suicídio. Qualquer pessoa pode conversar, sob total sigilo por telefone,
email e chat 24 horas todos os dias. Os voluntários recebem treinamento e não
precisam ter formação em psicologia.
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