sábado, 31 de agosto de 2013

DOIS MÉDICOS CUBANOS, MÃE E FILHO, SÃO HUMILHADOS E DISCRIMINADOS EM ITAGUAÍ, RIO DE JANEIRO, E SAEM CHORANDO DO HOSPITAL


Edição: Adilson Gonçalves Fonte: Conexão Jornalismo Texto: Fábio Lau
Dois médicos cubanos foram vítimas de ofensas morais e discriminação quando realizavam plantão no Hospital Municipal de Itaguaí. Eles já residem no Brasil há mais de 15 anos e tem registro expedido pelo Conselho Regional de Medicina (CRM). Quando dariam início ao plantão, os estrangeiros tiveram as camas retiradas do dormitório para que não dormissem no mesmo espaço destinado aos brasileiros. Além disso, na parede do dormitório foram pichadas frases que exigiam sua saída do Brasil: "fora médicos gringos", dizia.

A ação dos médicos no Rio ocorre alguns dias após a primeira manifestação de preconceito praticada contra os profissionais cubanos em Fortaleza, no início da semana. Sob vaias e gritos ofensivos, os profissionais vieram atender ao programa Mais Médicos instituído pelo governo Federal. 

O preconceito e a falta de respeito aumentaram "consideravelmente", segundo revelaram médicos de Itaboraí que pediram para não ser identificados.

Testemunhas que viram o ataque de discriminação em Itaboraí disseram que tudo teve início a partir de um mal entendido envolvendo o atendimento a uma criança. 

A doutora Candelária é cubana de nascimento, mas casada com um brasileiro. Seu filho, Islem, também médico e igualmente discriminado, tem todos os registros para trabalhar no Brasil. Testemunhas afirmam que os dois saíram chorando da unidade hospitalar onde Candelária trabalha há 15 anos. Até hoje, afirmaram, jamais haviam sido vítimas de qualquer tipo de manifestação preconceituosa. Com a saída dos médicos da unidade municipal de Itaboraí, permaneceu sozinha no plantão a médica também cubana de nome Emma. 

O problema envolvendo a criança, que teria dado início ao conflito, ainda permanece confuso. Segundo apurado por Conexão, os pais da criança queriam mantê-la na unidade, embora seu estado de saúde não oferecesse maiores riscos. A família teria plano de Saúde do Bradesco. O conflito teria provocado a reação de discriminação. Com a confusão, alguns funcionários insatisfeitos com a presença dos estrangeiros retiraram as camas destinadas aos dois cubanos e picharam na parede a mensagem pedindo que deixem o país. 

O diretor do hospital no turno da manhã, que presenciou a cena, pediu desculpas aos dois médicos ofendidos. Entretanto eles, se dizendo humilhados, acabaram saindo do hospital. 

Outros estrangeiros garantiram que a discriminação contra o trabalho de profissionais de outros países aumentou consideravelmente nos últimos dias: "insuportável!", resumiu uma estrangeira que pediu para não ser identificada.

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

OS 50 ANOS DO DISCURSO DE MARTIN LUTHER KING NO RELATO DE TRÊS PERSONAGENS PRESENTES ÀQUELE MOMENTO HISTÓRICO

Edição: Adilson Gonçalves Fonte Terra
Texto e fotos Carla Ruas
O 28 de agosto de 1963 foi um divisor de águas nos Estados Unidos. Naquele dia de verão, mais de 250 mil pessoas participaram da Marcha por Trabalho e Liberdade, na capital Washington, para pedir igualdade racial. Dentre os diversos líderes que subiram em um palco montado nas escadarias do Lincoln Memorial, um se destacou: Martin Luther King. O seu discurso "I have a dream" ("Eu tenho um sonho", na tradução do inglês), que faz 50 anos nesta quarta-feira, ajudou a impulsionar medidas que mudaram para sempre a trajetória dos negros nos Estados Unidos.
Já haviam ocorrido muitos protestos contra a segregação racial no país, mas nenhum tinha sido tão grande como a marcha de 1963. Um momento histórico que alavancou a criação da Lei dos Direitos Civis (1964) e da Lei dos Direitos de Voto (1965) e que ficou na memória de muita gente. O Terra conversou com três pessoas que estavam lá e fizeram parte desta história: um militante dos direitos civis, um funcionário do escritório do presidente John F. Kennedy e um fotógrafo que estreiou como profissional registrando o mar de gente naquela tarde quente de agosto.
O militante incansável
Jim Crocket lembra bem daquela quarta-feira, em 1963. Aliás, sua memória é impressionante para quem já viveu 88 anos. "Estava muito quente e quando eu cheguei já tinha um mar de pessoas. Mas eu fiquei encantado, e perguntava para todo mundo de onde vieram, porque algumas pessoas tinham viajado dias para chegar lá", recorda.
Para participar da marcha, Crocket também teve que fazer sacrifícios: faltou ao trabalho e viajou uma hora de ônibus até a capital. Mas para ele foi uma decisão muito natural. Desde os anos 1940 ele vinha participando do movimento dos direitos civis. Numa fotografia de 1951 ele aparece com apenas 23 anos, protestando em frente a um teatro que barrou a sua entrada só porque ele era negro.
"Eu frequentei escolas segregadas, não pude entrar em certos restaurantes e durante a segunda guerra vi prisioneiros serem tratados melhor do que eu."Jim Crocket
Este foi apenas um dos preconceitos que Crocket enfrentou na sua vida. Mesmo após a abolição da escravatura, os negros continuaram sendo considerados cidadãos de segunda classe nos Estados Unidos. “Eu frequentei escolas segregadas, não pude entrar em certos restaurantes e durante a segunda guerra vi prisioneiros serem tratados melhor do que eu”, lamenta.
Depois da guerra, Crocket se tornou bombeiro, mas logo percebeu que jamais seria promovido por causa da sua cor. Por isso resolveu fazer curso superior e, em 1963, foi um dos primeiros negros a entrar na universidade Johns Hopkins, em Baltimore. Após completar o curso de administração, abriu uma imobiliária bem-sucedida, que existe até hoje. “Mas nada disso seria possível sem as vitórias do movimento”, garante.
O funcionário de Kennedy
Alfred Boyd, hoje com 83 anos, também admirou a multidão ao chegar na marcha em 1963. Mas a sua motivação para ir ao evento não veio das ruas, e sim de dentro do seu escritório: Ele trabalhava para a administração do presidente John F. Kennedy, onde tentava promover legislações que melhorassem a vida dos negros.
Boyd veio de uma família com uma trajetória dentro do movimento dos direitos civis. A sua prima Mary McCloud, é uma figura conhecida por ter buscado o direito ao voto e educação para mulheres negras na década de 1920. Mary, cujos pais tinham sido escravos, se tornou conselheira e amiga pessoal do presidente Franklin Roosevelt. Boyd quis continuar esta trajetória. Por isso, depois que Kennedy foi assassinado em novembro de 1963, ele continuou atuando no governo do presidente Lyndon B. Johnson, que assumiu o cargo. O seu trabalho era criar projetos sociais e econômicos para os negros no Escritório de Administração e Orçamento. 
Mas ele admite que as grandes mudanças só aconteceram depois da marcha em Washington: “O movimento mostrou para o mundo inteiro a discriminação que sofriam as minorias. E o governo se sentiu obrigado a passar legislações que mudaram completamente o jogo”.
"O movimento mostrou para o mundo inteiro a discriminação que sofriam as minorias".
Alfred Boyd
O fotógrafo
Existem muitas fotografias que compõem o imaginário da Marcha em Washington por Trabalho e Liberdade. Algumas dessas imagens foram tiradas por Rowland Scherman, hoje com 67 anos. E ele nunca vai esquecer daquele dia, afinal, fotografar a marcha foi o seu primeiro trabalho profissional.

"Eu entrei num verdadeiro transe, e fotografei o dia inteiro sem parar para comer ou beber", lembra Rowland Scherman, hoje com 67 anos
“Eu entrei num verdadeiro transe, e fotografei o dia inteiro sem parar para comer ou beber”, lembra. E como ele estava trabalhando para a Agência Nacional da Informação (USIA) e não para a imprensa, tinha mais liberdade sobre o que fotografar. Scherman escolheu focar suas lentes nas expressões dos participantes, o que hoje compõem um importante arquivo visual e histórico do evento.

Num dos seus retratos, o fotógrafo captou a jovem Edith Payne, de apenas 12 anos, olhando direto para a câmera. “Eu vi umas pessoas rindo e outras chorando, até que ela me chamou a atenção. Ela era tão jovem e estava tão envolvida”, descreve. A imagem virou um dos símbolos do movimento dos direitos civis, já que simboliza as novas gerações e a esperança de um futuro melhor.

"NÃO SOMOS ESCRAVOS E NEM VIEMOS AO BRASIL PARA TOMAR OS EMPREGOS DOS BRASILEIROS", DIZ MÉDICO CUBANO HOSTILIZADOS PELO SINDICATO DOS MÉDICOS DO CEARÁ

Edição Adilson Gonçalves Fonte: Carta Capital 
Jarbas Oliveira/ FSP
Juan Delgado, um dos médicos cubanos vaiados na terça-feira 27 em Fortaleza por colegas brasileiros, disse que Não entendeu por que foi chamado de "escravo" durante um protesto realizado pelo Simec (Sindicato dos Médicos do Ceará) à saída de um curso de preparação do programa Mais Médicos.
"Me impressionou a manifestação. Diziam que somos escravos, que fôssemos embora do Brasil. Não sei por que diziam isso, não vamos tirar seus postos de trabalho", afirmou o médico ao jornal Folha de S. Paulo. "Isso não é certo, não somos escravos. Seremos escravos da saúde, dos pacientes doentes, de quem estaremos ao lado todo o tempo necessário (...) Os médicos brasileiros deveriam fazer o mesmo que nós: ir aos lugares mais pobres prestar assistência."


Ainda segundo o jornal, Delgado diz que já trabalhou no Haiti e que o desconhecimento do português não deverá ser um empecilho. Ele ainda disse que seus colegas não deverão voltar a Cuba, pois seu desejo é atender à população brasileira.

terça-feira, 27 de agosto de 2013

ATOS DE RACISMO E XENOFOBISMO MARCAM CHEGADA DE MÉDICOS CUBANOS AO BRASIL

Edição: Adilson Gonçalves Fonte: Blog Ricardo Kotscho
Aos gritos de "escravos!" cerca de 50 médicos cearenses liderados pelo presidente do seu sindicato, José Maria Pontes,  fizeram um "corredor polonês" para impedir a saída de 79 médicos cubanos ao final do primeiro dia do curso do Mais Médicos na Escola de Saúde Pública do Ceará, em Fortaleza, na noite desta segunda-feira. "Não aceitamos que eles apenas passem por uma avaliação de português e Sistema único de Saúde", pontificou o presidente do sindicato. Quem lhe concedeu esta autoridade?
O governo teve que pedir reforço policial quando os médicos brasileiros tentaram invadir o prédio, depois de cercar todas as saídas, obrigando os médicos cubanos a permanecer por mais 40 minutos no saguão da escola, enquanto autoridades tomavam providências para evitar um conflito maior.
Segundo a Agencia Estado, a polícia acompanhou o protesto de perto, mas não interveio, quando os cubanos finalmente saíram, sob os xingamentos dos seus colegas cearenses, em direção ao 23º Batalhão de Caçadores do Exército, ondre estão hospedados. Alguns jovens com a bandeira de Cuba que assistiam à cena chamaram os médicos brasileiros de "mercenários".
Pode parecer ironia, mas Fortaleza é conhecida como a cidade da hospitalidade. Pelo menos era, até última vez em que estive por lá.
É este o resultado da campanha insana deflagrada por parte da classe médica, suas entidades representativas e setores da mídia contra a vinda de 400 profissionais cubanos para trabalhar no programa Mais Médicos.
De vez em quando, dá até vergonha de ser brasileiro, como aconteceu comigo ao ver a foto de Jarbas Oliveira na capa da Folha, em que aparece um médico cubano que passa altivo, mas assustado, pelo "corredor polonês", sendo xingado por jovens de jaleco branco com as mãos abertas em forma de concha na boca como se vê em protestos estudantis.
Toda a polêmica criada nos últimos dias sobre a vinda de médicos cubanos para suprir as carências de assistência à saúde das populações mais pobres do país _ ainda temos 701 municípios sem nenhum médico residente _ agitou as redes sociais neste final de semana e serviu para revelar como podem ser desumanos e hipócritas os que colocam seus interesses pessoais, profissionais, partidários ou ideológicos acima das necessidades básicas de sobrevivência dos brasileiros que não têm acesso ao SUS, muito menos aos planos de saúde.

É como se fossem dois países chamados Brasil: um, daqueles que têm todos os direitos garantidos e não abre mão dos seus privilégios assegurados pelo Estado desde Cabral ( o Pedro Álvares), dispondo de alguns dos melhores hospitais do mundo; outro, o dos que se virem por conta própria com benzedeiras, rezas e curandeiros. Para deixar bem claro: é desumana a campanha não contra a vinda dos médicos cubanos, que chegaram ao Brasil felizes da vida, mas contra os pacientes pobres brasileiros sem assistência.
A ofensiva contra o Mais Médicos criado para trazer profissionais do exterior e instalá-los nas regiões onde os brasileiros se recusam a trabalhar, começou logo após o programa ser lançado pelo governo federal por medida provisória em julho, e ganhou mais força com a chegada dos primeiros profissionais cubanos na semana passada.
Boa parte da classe médica brasileira e suas entidades representativas, numa violenta demonstração de xenofobia e corporativismo, foram às ruas para fazer protestos com narizes de palhaço e ocuparam espaços generosos na mídia para declarar guerra ao governo, mas não apresentaram nenhuma proposta alternativa parar minorar o sofrimento de milhões de brasileiros abandonados à sua própria sorte nas regiões mais remotas do país e nas periferias das grandes cidades.
Em seus argumentos hipócritas (não confundir com o juramento a Hipócrates), mostraram-se preocupados com a formação dos médicos estrangeiros e sua capacidade de atender com qualidade à população, como se o trabalho deles fosse uma maravilha de dedicação e competência em todos os hospitais e postos de saúde públicos.
Preocuparam-se até com os salários de R$ 10 mil pagos aos médicos cubanos, acertados num convênio do Ministério da Saúde com a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), porque uma parte será repassada ao governo cubano, que os formou, ficando uma parcela de 25% a 40% para os profissionais. Chegaram a classificar esta medida, semelhante à estabelecida pela Opas com outros 58 países, como "trabalho escravo".
"Nós somos médicos por vocação e não por dinheiro. Trabalhamos porque nossa ajuda foi solicitada, e não por salário, nem no Brasil nem em nenhum lugar do mundo", rebateu o médico cubano Nélson Rodriguez, um dos primeiros 206 profissionais daquele país que desembarcaram sábado no Brasil.
Além da Opas, o programa Mais Médicos recebeu a aprovação da Organização Mundial de Saúde e, segundo as pesquisas mais recentes, é apoiado por 54% da população brasileira(contra 47% no final de junho). Entre quem apontou o PT como seu partido de preferência, este número sobe para 62%. Já entre os que preferem o PSDB, a maioria (49%) respondeu que é contra a importação de médicos, números que podem explicar o Fla-Flu nas redes sociais que é dominado por baixarias de todo tipo.
De outro lado, sete entre nove cartas sobre a polêmica publicadas nesta segunda-feira no "Painel do Leitor" da Folha dão seu apoio à importação de médicos estrangeiros e fazem duras críticas aos médicos brasileiros. Melhor é deixar o povo falar o que pensa.
Alguns exemplos:
Jalson de Araújo Abreu (São Paulo, SP): "O exame Revalida, ao qual médicos formados no exterior estão sujeitos, deveria ser aplicado nos formandos brasileiros. Esperamos que não confirme o resultado do exame do Cremesp, que reprovou 80% dos avaliados".
Alcides Morotti Junior (São Roque, SP): Os médicos cubanos que disseram que são médicos por vocação, e não por dinheiro, estão seguindo o juramento de Hipócrates. Já os brasileiros _ pelo menos a grande maioria _, não."
Luiz Carlos Roque da Silva (São Paulo, SP): "É incrível a atitude da maioria dos doutores contra o Mais Médicos: eles não vão para as regiões carentes e não deixam ninguém ir. Agora, vendo que a população apoia o programa, concentram-se nos cubanos. Estes já estão no Haiti, na África, no norte do Brasil. Os nossos, não. O mesmo se dá com os Médicos sem Fronteiras que arriscam a vida na Síria.".
Carlos Roberto Penna Dias dos Santos (Rio de Janeiro, RJ): "Gostaria de condenar a campanha que a máfia de branco está fazendo contra o programa Mais Médicos. A histeria destas entidades médicas lembra o macarthismo. Tenho certeza de que a maioria da população apoia a vinda dos médicos estrangeiros e repudio a posição nazifascista de algumas entidades".
Edgard Gobbi (Campinas, SP): "Um jornalista flagrou uma médica da Prefeitura de São Bernardo do Campo batendo o ponto e indo atender pacientes no seu consultório. Será que ela aprendeu com aquela médica de Ferraz de Vasconcelos quer marcava ponto com dedos de silicone com a impressão digital de outros médicos? E alguém duvida que a prática é comum no Brasil?"
Entre as duas cartas críticas, uma foi enviada pelo médico Fernando Piason França, de São Paulo, SP. Só pode ser deboche:
"Há uma determinação para que médicos não circulem pelas ruas de jalecos por questão de higiene. Os cubanos desembarcaram no aeroporto assim trajados. Nem começaram a já cometeram a primeira infração. Mau começo".
Se todas as infrações cometidas diariamente por médicos brasileiros se limitassem a isso, estaríamos bem servidos. Aliás, se eu for atropelado daqui a meia hora na esquina de casa e aparecer alguém de jaleco branco, não vou querer saber de onde vem, não vou lhe pedir o currículo. Basta que ele salve a minha vida.
Não se trata de discutir o regime cubano nem a legislação trabalhista vigente naquele país. Não é problema meu. Neste ponto, estou absolutamente de acordo com o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, quando ele diz:
"Quem tem crítica pode fazer sugestões para aprimorar. Agora, não venham ameaçar a saúde da população que não tem médicos".
É este o ponto. O resto é querer se aproveitar de uma solução de emergência, por todas as razões necessária, para criticar o governo, seja o do Brasil ou o de Cuba ou o de qualquer outro país que nos possa ajudar a enfrentar este gravíssimo problema da população ainda desassistida de saúde pública _, entre outros motivos, porque a maior parte dos nossos médicos não parece preocupada com isso.