Edição:
Adilson Gonçalves Fonte: Globo
Texto: Miriam Leitão Foto: Camila Maia
RIO - Para o presidente
do Supremo Tribunal Federal (STF), ainda há bolsões de intolerância racial não
declarados no Brasil. Ele afirma não ser candidato e diz que seu nome tem
aparecido com relevância em pesquisas eleitorais por causa de manifestações espontâneas
da população. Segundo ele, que se define politicamente como alguém de
inclinação social democrata à europeia, o Brasil precisa gastar melhor seus
recursos públicos, com inúmeros setores que podem ser racionalizados ou diminuídos.
O senhor é candidato à
presidente da República?
Não.
Sou muito realista. Nunca pensei em me envolver em política. Não tenho
laços com qualquer partido político. São manifestações espontâneas da população
onde quer que eu vá. Pessoas que pedem para que eu me candidate e isso tem se
traduzido em percentual de alguma relevância em pesquisas.
As pessoas ficaram com a impressão de que o senhor não cumprimentou a presidente.
Eu
não só cumprimentei como conversei longamente com a presidente. Eu estava o
tempo todo com ela.
O Brasil está preparado para um
presidente da República negro?
Não.
Porque acho que ainda há bolsões de intolerância muito fortes e não declarados
no Brasil. No momento em que um candidato negro se apresente, esses bolsões se
insurgirão de maneira violenta contra esse candidato. Já há sinais disso na
mídia. As investidas da “Folha de S.Paulo” contra mim já são um sinal. A “Folha
de S.Paulo” expôs meu filho, numa entrevista de emprego. No domingo passado,
houve uma violação brutal da minha privacidade. O jornal se achou no direito de
expor a compra de um imóvel modesto nos Estados Unidos. Tirei dinheiro da minha
conta bancária, enviei o dinheiro por meios legais, previstos na legislação,
declarei a compra no Imposto de Renda. Não vejo a mesma exposição da vida
privada de pessoas altamente suspeitas da prática de crime.
Como pessoa pública, o senhor
não está exposto a todo tipo de pergunta e dúvida dos jornalistas?
Há
milhares de pessoas públicas no Brasil. No entanto os jornais não saem por aí
expondo a vida privada dessas pessoas públicas. Pegue os últimos dez
presidentes do Supremo Tribunal Federal e compare. É um erro achar que um
jornal pode tudo. Os jornais e jornalistas têm limites. São esses limites que
vêm sendo ultrapassados por força desse temor de que eu eventualmente me torne
candidato.
Que partido representa mais o
seu pensamento?
Eu
sou um homem seguramente de inclinação social democrata à europeia.
Como ampliar o Estado para
garantir direitos de quem esteve marginalizado, mas, ao mesmo tempo, controlar
o controle do gasto público para manter a inflação baixa?
O
primeiro passo é gastar bem. Saber gastar bem. O Brasil gasta muito mal. Quem
conhece a máquina pública brasileira, sabe que há inúmeros setores que podem
ser racionalizados, podem ser diminuídos.
O senhor disse que o Brasil está
numa crise de representação política. O que quis dizer com isso?
Ela
se traduz nessa insatisfação generalizada que nós assistimos nesses dois meses.
Falta honestidade em pessoas com responsabilidade de vir a público e dizer que
as coisas não estão funcionando.
Quando serão analisados os
recursos dos réus do mensalão?
Dia
primeiro de agosto eu vou anunciar a data precisa.
Eles serão presos?
Estou
impedido de falar. Nos últimos meses, venho sendo objeto de ataques também por
parte de uma mídia subterrânea, inclusive blogs anônimos. Só faço um alerta: a
Constituição brasileira proíbe o anonimato, eu teria meios de, no momento devido,
através do Judiciário, identificar quem são essas pessoas e quem as financia.
Eu me permito o direito de aguardar o momento oportuno para desmascarar esses
bandidos.
Por que o senhor tem uma relação
tensa com a imprensa? O senhor chegou a falar para um jornalista que ele estava
chafurdando no lixo.
É
um personagem menor, não vale a pena, mas quando disse isso eu tinha em mente
várias coisas que acho inaceitáveis. Por que eu vou levar a sério o trabalho de
um jornalista que se encontra num conflito de interesses lá no Tribunal. Todos
nós somos titulares de direitos, nenhum é de direitos absolutos, inclusive os
jornalistas. Afora isso tenho relações fraternas, inúmeras com jornalistas.
A primeira vez que conversamos
foi sobre ações afirmativas. Nem havia ainda as cotas. Hoje, o que se tem é que
as cotas foram aprovadas por unanimidade pelo Supremo. O Brasil avançou?
Avançou.
Inclusive, entre as inúmeras decisões progressistas que o Supremo tomou essa
foi a que mais me surpreendeu. Eu jamais imaginei que tivéssemos uma decisão
unânime.
Nos votos, vários ministros reconheceram
a existência do racismo.
O
que foi dito naquela sessão foi um momento único na história do Brasil. Ali
estava o Estado reconhecendo aquilo que muita gente no Brasil ainda se recusa a
reconhecer, e a ver o racismo nos diversos aspectos da vida brasileira.
Os negros são uma força
emergente. Antes, faziam sucesso só nas artes e no futebol, mas, agora, eles
estão se preparando para chegar nos postos de comando e sucesso em todas as
áreas. Como a sociedade brasileira vai reagir?
Ainda
não vejo essa ascensão dos negros como algo muito significativo. Há muito
caminho pela frente. Ainda há setores em que os negros são completamente
excluídos.
Como o Brasil supera isso?
Discutindo
abertamente o problema. Não vejo nos meios de comunicação brasileiros uma
discussão consistente e regular sobre essas questões.
Como superar a desigualdade racial,
mantendo o que de melhor temos?
O
que de melhor nós temos é a convivência amistosa superficial, mas, no momento
em que o negro aspira a uma posição de comando, a intolerância aparece.
Como o senhor sentiu no carnaval
tantas pessoas com a máscara do seu rosto?
Foi
simpático, mas, nas estruturas sociais brasileiras, isso não traz mudanças.
Reforça certos clichês.
Reforça? Por quê
Carnaval,
samba, futebol. Os brasileiros se sentem confortáveis em associar os negros a
essas atividades, mas há uma parcela, espero que pequena da sociedade, que não
se sente confortável com um negro em outras posições.
O senhor foi discriminado no
Itamaraty?
Discriminado
eu sempre fui em todos os trabalhos, do momento em que comecei a galgar
escalões. Nunca dei bola. Aprendi a conviver com isso e superar. O Itamaraty é
uma das instituições mais discriminatórias do Brasil.
O senhor não passou no concurso?
Passei
nas provas escritas, fui eliminado numa entrevista, algo que existia para
eliminar indesejados. Sim, fui discriminado, mas me prestaram um favor. Todos
os diplomatas gostariam de estar na posição que eu estou. Todos.
É sempre bom saber e confirmar os pensamentos desse brasileiro.
ResponderExcluirTarcísio José Martins