Edição :Adilson GonçalvesFonte :Jornal o Globo
Primeiro negro a a ser ministro do Supremo Tribunal Federal e a presidir a Corte, magistrado mineiro de 58 anos, filho de um pedreiro e de uma faxineira, deu visibilidade à atuação do STF e chamou a atenção com a defesa de suas posições e votos, ao ser relator do julgamento do processo do mensalão, que condenou 25 dos 37 réus.
Em
2012, o ministro Joaquim Barbosa transformou as sessões do Supremo Tribunal
Federal (STF) em campeãs de audiência. Nas redes sociais, o ministro chegou a
ser comparado a um super-herói. Também foi assunto nas ruas, nas mesas de bar,
nas conversas de elevador. Todo lugar era propício para o tema do momento: o
julgamento do mensalão — e, consequentemente, a performance do relator do
processo. Uma grande parcela da sociedade criou, de uma hora para outra, uma
identidade com o ministro e a defesa contundente que ele fazia de seus
argumentos, que levaram à condenação de figurões por corrupção.
Para
alguns colegas, era muito radical. Mas sua inflexibilidade com a moralidade
política conquistou corações e mentes. O destaque no julgamento deu ao ministro
popularidade pouco comum para o cargo ocupado: chegou a ser lembrado em
pesquisa de intenções de voto como possível candidato para a Presidência da
República. Por coincidência, para coroar seu desempenho, em novembro, seguindo
a ordem natural do Supremo, chegou a vez de Barbosa presidir o STF e chegar,
assim, ao mais alto posto do Judiciário.
O
ministro somou vitórias a cada sessão do julgamento do mensalão, que começou em
2 de agosto e terminou em 17 de novembro. Apresentou passo a passo, de forma
clara, o enredo do maior escândalo de corrupção já visto pelo país. E, capítulo
a capítulo, destrinchou todo o esquema, destacando as provas que levaram à
condenação de ex-ministros, banqueiros, ex-dirigentes partidários e de um
ex-presidente da Câmara dos Deputados. O voto de Barbosa foi seguido pela
maioria do plenário na maior parte das vezes. O julgamento resultou na
condenação de 25 dos 37 réus. Barbosa votou pela condenação de 32. Entre eles,
os ex-dirigentes do PT José Dirceu, José Genoino e Delúbio Soares.
A
atuação do ministro, que se tornou o primeiro negro a assumir a presidência da
Corte, rendeu-lhe a conquista do Prêmio Faz Diferença na principal categoria.
Em 2007, Barbosa recebeu o mesmo prêmio do GLOBO, mas na categoria País. Já
como relator do mensalão, ele havia conseguido convencer a maioria dos colegas
a abrir a ação penal contra os investigados, transformando-os em réus.
Em
maio de 2012, quando o tribunal aprovou o sistema de cotas raciais para o
ensino superior no país, Barbosa mostrou em seu voto que é defensor da causa.
Antes de ser ministro, publicou um estudo sobre o tema.
—
A pobreza crônica que perpassa diversas gerações e atinge diversas camadas do
nosso país dificulta o acesso à educação e à mobilidade social. O bloqueio
socioeconômico confina milhares de brasileiros a viver na pobreza. O Prouni é
uma suave tentativa de mitigar essa cruel situação. O importante é que o ciclo
de exclusão se interrompa para esses grupos sociais desavantajados — afirmou o
ministro, no voto dado em plenário.
Quando
Barbosa se tornou presidente do STF, no fim do ano, os movimentos em defesa dos
negros comemoraram.
—
Essa posse é cercada de uma importância histórica e de um simbolismo que
ultrapassa a própria população negra no Brasil — declarou a ministra da
Igualdade Racial, Luiza Bairros.
—
Joaquim Barbosa representa o sonho de Zumbi dos Palmares. Um sonho de igualdade
plantado pelos nossos antepassados — afirmou Paulão Santos, presidente do
Conselho Estadual dos Direitos do Negro do Rio de Janeiro.
Os
amigos do ministro Joaquim Barbosa estão concentrados no Rio de Janeiro, onde
ele morou quando era integrante do Ministério Público Federal. Na capital
fluminense, também mora o filho, Felipe, jornalista de 26 anos. Por isso, o
ministro costuma passar fins de semana na cidade, onde tem um apartamento no
Leblon. Barbosa tem convivência intensa com a família. Costuma ouvir os
conselhos da mãe, Benedita, uma senhora septuagenária que nunca se esquece de
incluir o filho em suas orações diárias. Barbosa não é de rezar, mas usa
diariamente um escapulário para protegê-lo. A peça o acompanhou durante todo o
julgamento do mensalão.
A
intensidade profissional que o ministro viveu em 2012 também teve reflexo na
saúde dele. Em 2007, a dor crônica da coluna atingiu o auge, durante o
julgamento que definiu a abertura do processo do mensalão. Em outubro de 2012,
já na reta final do julgamento da ação penal, o ministro fez um intervalo na
rotina pesada de trabalho e foi à Alemanha para ser submetido a um tratamento
revolucionário, que envolvia a estrutura de seu próprio sangue. Deu certo: as
dores só não cessaram por completo, porque ele não conseguiu cumprir a
recomendação médica de repouso absoluto.
A
história pessoal de Joaquim Barbosa é semelhante à de milhares de brasileiros
pobres, com a diferença do final feliz. Ele nasceu em Paracatu, interior de
Minas Gerais, há 58 anos. Conhecido em casa por Joca, é o primeiro de oito
filhos de uma família humilde. O pai era pedreiro e a mãe, faxineira. A
infância foi de brincadeiras ao ar livre. Quando tinha 10 anos, o pai vendeu a
casa onde moravam e comprou um caminhão. O negócio deu certo, e a renda da
família melhorou. Hoje, os irmãos, os sobrinhos e a mãe também moram em
Brasília. O pai, Joaquim, morreu há dois anos.
Nos
anos 70, Barbosa mudou-se para a casa de uma tia no Gama, cidade do Distrito
Federal próxima a Brasília. Trabalhou como faxineiro e como tipógrafo na
gráfica do Senado. Foi aprovado no vestibular de Direito da Universidade de
Brasília (UnB). Com o diploma nas mãos, chefiou a consultoria jurídica do
Ministério da Saúde. Também foi oficial de chancelaria do Itamaraty e chegou a
servir na Finlândia. Passou no concurso do Ministério Público Federal, onde
trabalhou por 19 anos.
A
vida acadêmica sempre foi intensa. Fez mestrado e doutorado em Direito Público
na Universidade de Paris II. Barbosa é ainda especialista em Direito e Estado
pela UnB e professor licenciado da Faculdade de Direito da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Passou ainda períodos como acadêmico visitante
em três universidades dos Estados Unidos: Columbia, de Nova York e da
Califórnia. É fluente em inglês, francês e alemão. O ministro tem o hábito de
fazer citações em línguas estrangeiras de forma corriqueira. Já no fim do
julgamento do mensalão, disse uma frase que pode resumir sua história: “Let’s
move on!”.
Rigor
não surpreende amigos do ministro
O
primeiro amigo que Joaquim Benedito Barbosa Gomes fez ao chegar ao STF, em
2003, foi Carlos Ayres Britto, que entrou no tribunal no mesmo ano e se
aposentou em 2012. Os dois foram instalados em apartamentos funcionais no mesmo
prédio, em Brasília, o que facilitou a aproximação. A amizade permanece até
hoje, embora os dois já não sejam mais colegas de trabalho. Eles se falam com
frequência e costumam se visitar em casa.
—
Sempre tivemos uma boa amizade, desde que nos vimos, em junho de 2003. Foi
amizade à primeira vista e parece que vai se tornar definitiva — diz Ayres
Britto.
O
colega, que presidiu o tribunal durante a maior parte do julgamento do
mensalão, faz uma avaliação positiva da atuação de Barbosa na relatoria do
processo:
—
Eu classifico a atuação dele como muito boa. Do ponto de vista pessoal, foi
corajoso; do ponto de vista técnico, meticuloso. Atuou como um médico legista,
fazendo a autópsia dos fatos.
Ayres
Britto era o principal aliado de Barbosa no tribunal. Com sua aposentadoria, o
posto ficou com Luiz Fux, de quem tem ouvido conselhos e ponderações na
condução da Corte. O ministro até acompanhou Barbosa a uma consulta médica no
Rio de Janeiro, para tratamento de seu problema crônico nos quadris. Na festa
para comemorar a posse de Barbosa na presidência do STF, em novembro, Fux se
destacou ao subir ao palco e dedicar-lhe a canção “Dia de domingo”, de Tim
Maia, que cantou e tocou na guitarra.
—
Estou fazendo essa homenagem a meu querido amigo e ministro Joaquim Barbosa.
Ele, em seu discurso, disse com todas as letras que nós, ministros e juízes,
somos homens simples e do povo — disse, antes de tocar a canção.
O
presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, Alexandre
Camanho, classifica de revolucionária a atuação de Barbosa no julgamento do
mensalão. Segundo ele, há muito tempo a sociedade esperava um juiz destemido,
que acabou se materializando na figura do relator. Para o procurador, Barbosa
fez história e deve se tornar uma referência a ser seguida no Judiciário.
—
Acho que a atuação dele no mensalão, muito provavelmente pela origem dele no
Ministério Público, foi a que a sociedade estava esperando há muitos anos. Foi
o juiz que a sociedade estava esperando. Um juiz que, sem descuidar das
garantias individuais, foi implacável com o crime. A sociedade já estava farta
da indulgência com políticos, com a corrupção, com a rapina dos cofres públicos
— disse Camanho.
Entre
os advogados, Barbosa não é uma unanimidade. Ele impõe restrições para atender
a categoria em audiências. Para o ministro, o correto é receber conjuntamente
todas as partes do processo. O método dificulta a compatibilização de agendas
em processos muito grandes — como, por exemplo, o mensalão, que tinha 40
acusados quando chegou à Corte. Mas o presidente da Ordem dos Advogados do
Brasil (OAB), Ophir Cavalcante, elogia o ministro.
—
Estive com ele em duas sessões do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), e o
relacionamento foi o mais cordial. Há muita identidade de pensamento e de
propósitos entre ele e a OAB, embora reconheça que há essa reclamação dos
advogados quanto às audiências. Quero crer que isso possa ser algo a ser
superado. Espero que ele entenda que o advogado é fundamental para o exercício
amplo da defesa do cidadão — diz.
Ophir
também enaltece a atuação de Barbosa na condução do processo do mensalão:
—
Ele atuou como deve atuar um relator de processo, estudando o caso e aplicando
a lei. É importante também destacar que a Suprema Corte exerceu seu papel de
analisar qualquer caso, independentemente de envolver o mais humilde cidadão ou
a mais graduada autoridade. A instituição é maior que os homens.
Amigos
que conhecem Barbosa desde os tempos em que ele era um estudante pobre tentando
encontrar um caminho na vida não se surpreenderam com o rigor do ministro no
julgamento do mensalão. Mário César Pinheiro Maia, que foi chefe de Barbosa na
gráfica do Senado no início da década de 70, diz que o ministro sempre foi
reservado no trato pessoal e exigente em relação às obrigações profissionais.
Nada diferente do que se viu nas longas sessões do julgamento.
—
O Quincas, é assim que a gente o chama, sempre foi isso aí que todo mundo
começou a admirar nele. Sempre teve personalidade forte. Mesmo com 19, 20 anos,
tinha opiniões firmes — disse Maia, que fez parte do seleto grupo de antigos
amigos convidados para a posse de Barbosa na presidência do STF.
Sem
medo da polêmica
Cotas para
negros
“A pobreza crônica que perpassa diversas gerações e atinge diversas camadas do nosso país dificulta o acesso à educação e à mobilidade social. O bloqueio socioeconômico confina milhares de brasileiros a viver na pobreza.”
“A pobreza crônica que perpassa diversas gerações e atinge diversas camadas do nosso país dificulta o acesso à educação e à mobilidade social. O bloqueio socioeconômico confina milhares de brasileiros a viver na pobreza.”
União
homoafetiva
“A Constituição fez uma clara opção pela igualdade, assumindo o compromisso de extinguir, ou pelo menos de mitigar, o peso das desigualdades fundadas no preconceito, estabelecendo de forma cristalina o objetivo de promover a justiça social e a igualdade de tratamento entre os cidadãos.”
“A Constituição fez uma clara opção pela igualdade, assumindo o compromisso de extinguir, ou pelo menos de mitigar, o peso das desigualdades fundadas no preconceito, estabelecendo de forma cristalina o objetivo de promover a justiça social e a igualdade de tratamento entre os cidadãos.”
Parentes
advogados
“Eu sou visceralmente contra (parentes advogarem nos tribunais onde ministros atuam), porque isso fere o princípio da moralidade, do equilíbrio de forças que deve haver no processo judicial. Esses filhos, esposas, sobrinhos de juízes são muito acionados pelos seus clientes pelo fato de serem parentes. Não é por outra razão.”
“Eu sou visceralmente contra (parentes advogarem nos tribunais onde ministros atuam), porque isso fere o princípio da moralidade, do equilíbrio de forças que deve haver no processo judicial. Esses filhos, esposas, sobrinhos de juízes são muito acionados pelos seus clientes pelo fato de serem parentes. Não é por outra razão.”
Justiça
desigual
“Nós temos desequilíbrios. Há lugares com muitos juízes, lugares com pouquíssimos, desaparelhados. Tribunais luxuosos que comandam um Poder Judiciário depauperado. Vejam como é um país de contrastes. E esse contraste se estende ao Poder Judiciário.”
“Nós temos desequilíbrios. Há lugares com muitos juízes, lugares com pouquíssimos, desaparelhados. Tribunais luxuosos que comandam um Poder Judiciário depauperado. Vejam como é um país de contrastes. E esse contraste se estende ao Poder Judiciário.”
Juiz e
sociedade
“Pertence definitivamente ao passado a figura do juiz que se mantém distante (...), para não dizer inteiramente alheio aos valores fundamentais e anseios da sociedade na qual está inserido. No exercício da sua missão (...), o juiz deve, sim, sopesar e ter na devida conta os valores mais caros à sociedade na qual ele opera.”
“Pertence definitivamente ao passado a figura do juiz que se mantém distante (...), para não dizer inteiramente alheio aos valores fundamentais e anseios da sociedade na qual está inserido. No exercício da sua missão (...), o juiz deve, sim, sopesar e ter na devida conta os valores mais caros à sociedade na qual ele opera.”
Orgulho negro
“Em todos os lugares em que trabalhei, sempre houve um ou outro engraçadinho a tomar certas liberdades comigo, achando que a cor da minha pele o autorizava a tanto. Sempre a minha resposta veio na hora, dura. Mas isso não me impediu de ter centenas de amigos nos quatro cantos do mundo.”
“Em todos os lugares em que trabalhei, sempre houve um ou outro engraçadinho a tomar certas liberdades comigo, achando que a cor da minha pele o autorizava a tanto. Sempre a minha resposta veio na hora, dura. Mas isso não me impediu de ter centenas de amigos nos quatro cantos do mundo.”
JURADOS:
Aluizio Maranhão, Ancelmo Gois, Ascânio Seleme, Luiz Antônio Novaes, Luiz
Garcia, Merval Pereira e Míriam Leitão (O GLOBO); e Eduardo Eugenio Gouvêa
Vieira (presidente da Firjan).
Não iria Comentar. Mas a solicitação veio em razão de atividades particulares que não sei como chegaram até aqui: (Blog Aviação e Turismo em Revista.Assim: Joaquim Barbosa inegavelmente, hoje um heroi feito pela mídia,pronto, já ministro. O antes só ele e Deus sabem. O que passou para chegar até esse momento de esplendor...Teve sorte de só pessoas dígnas haverem cruzado seu caminho. Porque, negros inteligentes, competentes, estudiosos,com um acervo moral e intelectual, tal como o do nosso heroi não faltam, só que lhes foram negadas todas as chances de serem úteis à humanidade,à sua pátria, à sociedade e a si mesmo. Alguns, até mesmo perseguidos, por não se submeterem a certas injunções a troco de algumas migalhas por trabalhos sujos....A lei do ou faz,ou está despedido, filosofia racista de que negro só serve para cumprir "Ordens". E pra mudar isso, só Deus com muito jeitinho. Alguns negros em evidência até que tentam fazer alguma coisa desde que não se comprometam com o "Esquema" de quem está dentro não sai e quem está fora não entra. Dizer mais o quê?
ResponderExcluirMuito obrigado pelo seu comentário
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