Edição Adilson Gonçalves
Texto: Letícia Coimbra
Fotos: Fabiane Karine
Uma mesa redonda
com a participação de importantes personalidades ligadas ao movimento negro no
Brasil debateu no auditório da CMRJ, dia 11, a abolição da escravatura, com o
tema “13 de maio, Realidade ou Ilusão?”
Com mediação do
vereador Leonel Brizola Neto, a mesa debatedora foi composta pelo deputado Caó,
Carlos Alberto de Oliveira, autor da Lei contra o racismo no Brasil, o
secretário de Trabalho, Emprego e Renda de Nova Iguaçu, Luis Eduardo, a
Iyalorixá, Mãe Edelzuíta, do Instituto Nacional e Órgão Sacerdotal da Tradição
e Cultura Afro-Brasileira, a professora Dulce Vasconcelos, presidente do
Comdedine/RJ (Conselho Municipal de Defesa dos Direitos dos Negros) e a
professora Eliza Larkin, do Ipeafro (Instituto de Pesquisas e Estudos
Afro-brasileiros), viúva de Abdias Nascimento, único negro a se tornar senador
no Brasil e candidato ao prêmio Nobel da Paz em 2010, falecido no ano passado.
Caó, cujo nome
está ligado a maior conquista da causa anti-racista no Brasil, conquistada em
1989, com a legenda do PDT, lembrou que a abolição foi fruto do movimento
protagonizado pelos negros e simpatizantes da causa, embora a história não
mostre desta forma. “Várias manobras foram feitas para esvaziar a causa
abolicionista, como a Lei dos Sexagenários, que na prática libertava o dono do
escravo, que aos 60 anos estava velho e desgastado, da obrigação de
sustentá-lo, e da Lei do Ventre Livre, que não libertava ninguém… O Brasil foi
um dos últimos países do mundo a abolir a escravidão, e fez isso sem qualquer
projeto ou planejamento para incluir os negros na vida social e econômica do
país, foram simplesmente jogados para a mendicância”, disse.
Caó lembrou que,
em 1889, Ruy Barbosa mandou queimar todos os documentos relativos à entrada de
escravos no Brasil e registros sobre a escravidão, destruindo assim
importantíssima documentação deste período da história do Brasil. A intenção do
jurista foi evitar que os antigos donos de escravos entrassem com processos de indenização
contra o Estado, porém, o método que usou foi desastroso do ponto de vista
histórico para a memória da cultura afrobrasileira. “Por tudo isso, nossa data
é mesmo o 20 de novembro”, concluiu Caó, em alusão a Zumbi dos Palmares e ao
Dia da Consciência Negra, que no Rio de Janeiro é celebrado com feriado graças
a Darcy Ribeiro, Secretário de Cultura, e ao governador Brizola, que instituiu
a data no calendário oficial.
Mãe Edelzuíta,
herdeira espiritual de Mãe Menininha do Gantois, o mítico terreiro de Camdomblé
de Salvador, que aos 70 anos se formou em Direito no Rio de Janeiro, acredita
que a libertação do negro ainda é uma ilusão, pois ainda não há no país uma
real igualdade. “Os negros ainda sofrem as consequências da falta de
oportunidades, mas a igualdade tem que ser para todos: negros, índios, ciganos,
enquanto não houver, é ilusão”, afirmou.
O Secretário de
Emprego e Renda de Nova Iguaçu disse que não adiantam as cotas para o ensino
superior se não houver educação de qualidade no ensino fundamental e médio,
pois é enorme o contingente de pessoas que não conseguem trabalho por falta de
qualificação. Ele lamentou o fim dos cursos profissionalizantes gratuitos e de
qualidade, como o antigo SENAI. “Atualmente, um curso do SENAI custa caríssimo,
cerca de R$ 2 mil, como o trabalhador pobre pode se qualificar? É perverso! Se
não houver uma melhoria da educação pública no Brasil, não haverá negros nem
para preencher a cota, porque não conseguiremos chegar lá”, alertou Luis
Eduardo.
A atuação do PDT
em prol da causa negra foi lembrada e exaltada pelos participantes da mesa e da
plateia, como a professora Vanda Maria de Souza Ferreira, primeira diretora
negra de um CAIC (Centro de Aprendizagem e Integração de Cursos). “O governador
Brizola queria que a primeira diretora fosse negra, desconhecida entre os nomes
conhecidos do partido, e que tivesse sido diretora de um CIEP, então meu nome
foi lembrado. Ele tinha essa visão pioneira de promover e valorizar o negro.
Ser negro é ter consciência de uma luta, não é cor da pele”, disse a
professora.
Na plateia, José
Carlos Brasileiro, ex-presidiário, atualmente presidente do Instituto de
Cultura e Consciência Negra Nelson Mandela, deu um depoimento sobre o despertar
de consciência que teve na prisão após assistir uma palestra da professora
Vanda de Souza Ferreira, quando era detento. “Eu era um rebelde sem causa. A
presença daquela mulher linda, negra, inteligente, uma autoridade que vestia um
traje diferente, uma veste amarela e enfeites africanos, mexeu comigo. A partir
daquele momento algo mudou em mim, na minha autoestima, eu percebi que era
preto, mas não tinha consciência negra”, resumiu. O encontro dos dois no
auditório da CMRJ e o depoimento de Brasileiro, recém-filiado ao PDT, levou a
professora Vanda às lágrimas, para emoção de todos os presentes.
A presidente do
Condedine/RJ, professora Dulce Vasconcelos, lembrou que o PDT foi o primeiro
partido a ter em estatuto como prioridade de luta a igualdade racial, e que
foram inúmeras as ações de Brizola nesse sentido, como colocar um negro no
comando da polícia militar do Rio de Janeiro e chamar negros para ocupar
espaços de poder em seu governo, e como candidatos do partido nas esferas
estadual, federal e Senado. Outra ação foi a política de defesa da cidadania para
os moradores das favelas, razão pela qual foi combatido fortemente por setores
reacionários da sociedade, da qual a mídia era porta-voz. Contudo, Dulce vê
razões para comemorar o 13 de maio:
-Estamos colhendo
os frutos que nossos antepassados e os que apoiaram nossa luta plantaram. A
votação das cotas foi uma prova disso, vencemos por unanimidade! As ações
afirmativas, porém, são transitórias e ainda insuficientes- disse. O COMDEDINE
coordena um movimento para que o recém-descoberto Cais do Valongo, na área do
porto, onde milhões de negros africanos desembarcaram como escravos no Brasil,
faça parte do Circuito Histórico e
Arqueológico da Celebração da Herança Africana no Rio de Janeiro,
incluindo também o Cemitério dos Pretos Novos e a Pedra do Sal.
Viúva de Abdias
Nascimento, único Senador negro da história do país, eleito pelo PDT, a
pesquisadora Elisa Larkin Nascimento, do Instituto de Pesquisas e Estudos
Afro-Brasileiros, disse que a contribuição do negro no campo do conhecimento
não é difundida e qualificou de racismo a mentalidade que exclui o negro do
passado cultural e tecnológico. “A contribuição tecnológica do negro foi sempre
omitida, como se ele não tivesse um saber. A visão racista não coloca o negro
como protagonista da história”.
“Nossa dívida com
os negros é imensa, tudo neste país foi construído com a participação deles. O
fato de existir ainda hoje partidos que questionam as cotas e os reparos
sociais mostram muito bem a necessidade de fazermos este resgate de nosso
povo”, disse o vereador Leonel Brizola Neto.
Com a autoridade outorgada pelo terreiro de Mãe
Menininha do Gantois, Mãe Edelzuíta pegou as mãos do vereador Leonel Brizola
Neto e proclamou com a fé:
- Oxalá te guie, que você tem uma missão. Leve o
legado do seu avô e contribua para a compreensão mútua e a paz.
-OGUNHÊ! – a saudação de Ogum ecoou no auditório.
Na tradição afro-brasileira, Ogum é o Orixá guerreiro e valente que nos ensina
a lutar pelo que é certo e não esmorecer nas situações adversas. No
sincretismo, ele é São Jorge, que abre os caminhos e vence as demandas.
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