Edição:Adilson Gonçalves/ Fonte Portal da Imprensa
Nesta terça-feira (22/5), jornalistas baianos divulgaram uma carta aberta repudiando os abusos cometidos por programas policialescos na Bahia. A nota foi emitida após reportagem do "Brasil Urgente" com a repórter Mirella Cunha, da Band-BA, ganhar repercussão nacional nas redes sociais.
No vídeo, Mirella
entrevista um jovem negro que acabara de ser preso acusado de assalto e
estupro. No vídeo, o jovem assume o assalto, mas quando diz que não houve
estupro, a repórter afirma ele “queria estuprar”.
Na
sequência da matéria, o jovem nega várias vezes o crime e pede para a vítima
fazer o exame para provar sua inocência. Confuso, ele solicita que façam o
exame de "próstata" em vez de corpo de delito. Mirella Cunha ainda
chama o detido de estuprador e tira sarro pelo fato dele não saber ao certo
para que serve o exame.
Diversos
blogs e jornalistas repudiaram a atitude da repórter da Band. Agora,
profissionais da imprensa baiana rechaçam a atitude da jornalista em nota
oficial. A iniciativa dos jornalistas reflete a indignação com "atos
comumente praticados por programas noticiosos no Estado da Bahia".
De
acordo com o texto, "provoca a indignação dos jornalistas abaixo-assinados
e motiva questionamentos sobre a conivência do Estado com repórteres antiéticos,
que têm livre acesso a delegacias para violentar os direitos individuais dos
presos, quando não transmitem (com truculência e sensacionalismo) as ações
policiais em bairros populares da região metropolitana de Salvador".
A
nota ainda retoma o artigo 6º do Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros
que diz que "é dever do jornalista: opor-se ao arbítrio, ao autoritarismo
e à opressão, bem como defender os princípios expressos na Declaração Universal
dos Direitos Humanos". Para os jornalistas, "o direito à liberdade de
expressão não se sobrepõe ao direito que qualquer cidadão tem de não ser
execrado na TV, ainda que seja suspeito de ter cometido um crime".
Além
disso, os autores da carta ressaltam que a responsabilidade dos abusos
comumente cometidos no Estado não são apenas dos repórteres, mas também dos
produtores do programa, da direção da emissora e de seus anunciantes.
Por
fim, o documento pede aos órgãos competentes que acompanhem o caso e garantam
que o acusado tenha seus direitos garantidos e seja julgado com imparcialidade.
Acompanhe
o texto na íntegra:
Carta
aberta de jornalistas sobre abusos de programas policialescos na Bahia
"O
demo a viver se exponha,
Por
mais que a fama a exalta,
Numa
cidade onde falta
Verdade,
honra, vergonha."
(Gregório
de Mattos e Guerra)
Ao governador do Estado da Bahia, Jaques Wagner.
À
Secretaria da Segurança Pública do Estado da Bahia.
Ao
Ministério Público do Estado da Bahia.
À
Defensoria Pública do Estado da Bahia.
À
Sociedade Baiana.
A
reportagem "Chororô na delegacia: acusado de estupro alega
inocência", produzida pelo programa "Brasil Urgente Bahia" e
reprisada nacionalmente na emissora Band, provoca a indignação dos jornalistas
abaixo-assinados e motiva questionamentos sobre a conivência do Estado com
repórteres antiéticos, que têm livre acesso a delegacias para violentar os
direitos individuais dos presos, quando não transmitem (com truculência e
sensacionalismo) as ações policiais em bairros populares da região
metropolitana de Salvador.
A
reportagem de Mirella Cunha, no interior da 12ª Delegacia de Itapoã, e os
comentários do apresentador Uziel Bueno, no estúdio da Band, afrontam o artigo
5º da Constituição Federal: "É assegurado aos presos o respeito à
integridade física e moral". E não faz mal reafirmar que a República
Federativa do Brasil tem entre seus fundamentos "a dignidade da pessoa
humana". Apesar do clima de barbárie num conjunto apodrecido de programas
policialescos, na Bahia e no Brasil, os direitos constitucionais são
aplicáveis, inclusive aos suspeitos de crimes tipificados pelo Código Penal.
Sob
a custódia do Estado, acusados de crimes são jogados à sanha de jornalistas ou
pseudojornalistas de microfone à mão, em escandalosa parceria com agentes
policiais, que permitem interrogatórios ilegais e autoritários, como o de que
foi vítima o acusado de estupro Paulo Sérgio, escarnecido por não saber o que é
um exame de próstata, o que deveria envergonhar mais profundamente o Estado e a
própria mídia, as peças essenciais para a educação do povo brasileiro.
Deve-se
lembrar também que pelo artigo 6º do Código de Ética dos Jornalistas
Brasileiros, "é dever do jornalista: opor-se ao arbítrio, ao autoritarismo
e à opressão, bem como defender os princípios expressos na Declaração Universal
dos Direitos Humanos". O direito à liberdade de expressão não se sobrepõe
ao direito que qualquer cidadão tem de não ser execrado na TV, ainda que seja
suspeito de ter cometido um crime.
O
jornalista não pode submeter o entrevistado à humilhação pública, sob a
justificativa de que o público aprecia esse tipo de espetáculo ou de que o
crime supostamente cometido pelo preso o faça merecedor de enxovalhos. O preso
tem direito também de querer falar com jornalistas, se esta for sua vontade.
Cabe apenas ao jornalista inquirir. Não cabem pré-julgamentos, chacotas e
ostentação lamentável de um suposto saber superior, nem acusações feitas aos
gritos.
É
importante ressaltar que a responsabilidade dos abusos não é apenas dos
repórteres, mas também dos produtores do programa, da direção da emissora e de
seus anunciantes - e nesta última categoria se encontra o governo do Estado
que, desta maneira, se torna patrocinador das arbitrariedades praticadas nestes
programas. O governo do Estado precisa se manifestar para pôr fim às
arbitrariedades; e punir seus agentes que não respeitam a integridade dos
presos.
Pedimos
ainda uma ação do Ministério Público da Bahia, que fez diversos Termos de
Ajustamento de Conduta para diminuir as arbitrariedades dos programas
popularescos, mas, hoje, silencia sobre os constantes abusos cometidos contra
presos e moradores das periferias da capital baiana.
Há
uma evidente vinculação entre esses programas e o campo político, com muitos
dos apresentadores buscando, posteriormente, uma carreira pública, sendo
portanto uma ferramenta de exploração popular com claros fins
político-eleitorais.
Cabe,
por fim, à Defensoria Pública, acompanhar de perto o caso de Paulo Sérgio,
previamente julgado por parcela da mídia como "estuprador", e
certificar-se da sua integridade física. A integridade moral já está arranhada.
Salvador,
22 de maio de 2012.