quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

MINISTRO E PRESIDENTE DO STF, JOAQUIM BARBOSA É ELEITO A PERSONALIDADE DE 2012 POR JÚRI DO PRÊMIO FAZ A DIFERENÇA DO JORNAL O GLOBO


Edição :Adilson GonçalvesFonte :Jornal o Globo
Primeiro negro a a ser ministro do Supremo Tribunal Federal e a presidir a Corte, magistrado mineiro de 58 anos, filho de um pedreiro e de uma faxineira, deu visibilidade à atuação do STF e chamou a atenção com a defesa de suas posições e votos, ao ser relator do julgamento do processo do mensalão, que condenou 25 dos 37 réus.
Em 2012, o ministro Joaquim Barbosa transformou as sessões do Supremo Tribunal Federal (STF) em campeãs de audiência. Nas redes sociais, o ministro chegou a ser comparado a um super-herói. Também foi assunto nas ruas, nas mesas de bar, nas conversas de elevador. Todo lugar era propício para o tema do momento: o julgamento do mensalão — e, consequentemente, a performance do relator do processo. Uma grande parcela da sociedade criou, de uma hora para outra, uma identidade com o ministro e a defesa contundente que ele fazia de seus argumentos, que levaram à condenação de figurões por corrupção.
Para alguns colegas, era muito radical. Mas sua inflexibilidade com a moralidade política conquistou corações e mentes. O destaque no julgamento deu ao ministro popularidade pouco comum para o cargo ocupado: chegou a ser lembrado em pesquisa de intenções de voto como possível candidato para a Presidência da República. Por coincidência, para coroar seu desempenho, em novembro, seguindo a ordem natural do Supremo, chegou a vez de Barbosa presidir o STF e chegar, assim, ao mais alto posto do Judiciário.
O ministro somou vitórias a cada sessão do julgamento do mensalão, que começou em 2 de agosto e terminou em 17 de novembro. Apresentou passo a passo, de forma clara, o enredo do maior escândalo de corrupção já visto pelo país. E, capítulo a capítulo, destrinchou todo o esquema, destacando as provas que levaram à condenação de ex-ministros, banqueiros, ex-dirigentes partidários e de um ex-presidente da Câmara dos Deputados. O voto de Barbosa foi seguido pela maioria do plenário na maior parte das vezes. O julgamento resultou na condenação de 25 dos 37 réus. Barbosa votou pela condenação de 32. Entre eles, os ex-dirigentes do PT José Dirceu, José Genoino e Delúbio Soares.
A atuação do ministro, que se tornou o primeiro negro a assumir a presidência da Corte, rendeu-lhe a conquista do Prêmio Faz Diferença na principal categoria. Em 2007, Barbosa recebeu o mesmo prêmio do GLOBO, mas na categoria País. Já como relator do mensalão, ele havia conseguido convencer a maioria dos colegas a abrir a ação penal contra os investigados, transformando-os em réus.
Em maio de 2012, quando o tribunal aprovou o sistema de cotas raciais para o ensino superior no país, Barbosa mostrou em seu voto que é defensor da causa. Antes de ser ministro, publicou um estudo sobre o tema.
— A pobreza crônica que perpassa diversas gerações e atinge diversas camadas do nosso país dificulta o acesso à educação e à mobilidade social. O bloqueio socioeconômico confina milhares de brasileiros a viver na pobreza. O Prouni é uma suave tentativa de mitigar essa cruel situação. O importante é que o ciclo de exclusão se interrompa para esses grupos sociais desavantajados — afirmou o ministro, no voto dado em plenário.
Quando Barbosa se tornou presidente do STF, no fim do ano, os movimentos em defesa dos negros comemoraram.
— Essa posse é cercada de uma importância histórica e de um simbolismo que ultrapassa a própria população negra no Brasil — declarou a ministra da Igualdade Racial, Luiza Bairros.
— Joaquim Barbosa representa o sonho de Zumbi dos Palmares. Um sonho de igualdade plantado pelos nossos antepassados — afirmou Paulão Santos, presidente do Conselho Estadual dos Direitos do Negro do Rio de Janeiro.
Os amigos do ministro Joaquim Barbosa estão concentrados no Rio de Janeiro, onde ele morou quando era integrante do Ministério Público Federal. Na capital fluminense, também mora o filho, Felipe, jornalista de 26 anos. Por isso, o ministro costuma passar fins de semana na cidade, onde tem um apartamento no Leblon. Barbosa tem convivência intensa com a família. Costuma ouvir os conselhos da mãe, Benedita, uma senhora septuagenária que nunca se esquece de incluir o filho em suas orações diárias. Barbosa não é de rezar, mas usa diariamente um escapulário para protegê-lo. A peça o acompanhou durante todo o julgamento do mensalão.
A intensidade profissional que o ministro viveu em 2012 também teve reflexo na saúde dele. Em 2007, a dor crônica da coluna atingiu o auge, durante o julgamento que definiu a abertura do processo do mensalão. Em outubro de 2012, já na reta final do julgamento da ação penal, o ministro fez um intervalo na rotina pesada de trabalho e foi à Alemanha para ser submetido a um tratamento revolucionário, que envolvia a estrutura de seu próprio sangue. Deu certo: as dores só não cessaram por completo, porque ele não conseguiu cumprir a recomendação médica de repouso absoluto.
A história pessoal de Joaquim Barbosa é semelhante à de milhares de brasileiros pobres, com a diferença do final feliz. Ele nasceu em Paracatu, interior de Minas Gerais, há 58 anos. Conhecido em casa por Joca, é o primeiro de oito filhos de uma família humilde. O pai era pedreiro e a mãe, faxineira. A infância foi de brincadeiras ao ar livre. Quando tinha 10 anos, o pai vendeu a casa onde moravam e comprou um caminhão. O negócio deu certo, e a renda da família melhorou. Hoje, os irmãos, os sobrinhos e a mãe também moram em Brasília. O pai, Joaquim, morreu há dois anos.
Nos anos 70, Barbosa mudou-se para a casa de uma tia no Gama, cidade do Distrito Federal próxima a Brasília. Trabalhou como faxineiro e como tipógrafo na gráfica do Senado. Foi aprovado no vestibular de Direito da Universidade de Brasília (UnB). Com o diploma nas mãos, chefiou a consultoria jurídica do Ministério da Saúde. Também foi oficial de chancelaria do Itamaraty e chegou a servir na Finlândia. Passou no concurso do Ministério Público Federal, onde trabalhou por 19 anos.
A vida acadêmica sempre foi intensa. Fez mestrado e doutorado em Direito Público na Universidade de Paris II. Barbosa é ainda especialista em Direito e Estado pela UnB e professor licenciado da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Passou ainda períodos como acadêmico visitante em três universidades dos Estados Unidos: Columbia, de Nova York e da Califórnia. É fluente em inglês, francês e alemão. O ministro tem o hábito de fazer citações em línguas estrangeiras de forma corriqueira. Já no fim do julgamento do mensalão, disse uma frase que pode resumir sua história: “Let’s move on!”.
Rigor não surpreende amigos do ministro
O primeiro amigo que Joaquim Benedito Barbosa Gomes fez ao chegar ao STF, em 2003, foi Carlos Ayres Britto, que entrou no tribunal no mesmo ano e se aposentou em 2012. Os dois foram instalados em apartamentos funcionais no mesmo prédio, em Brasília, o que facilitou a aproximação. A amizade permanece até hoje, embora os dois já não sejam mais colegas de trabalho. Eles se falam com frequência e costumam se visitar em casa.
— Sempre tivemos uma boa amizade, desde que nos vimos, em junho de 2003. Foi amizade à primeira vista e parece que vai se tornar definitiva — diz Ayres Britto.
O colega, que presidiu o tribunal durante a maior parte do julgamento do mensalão, faz uma avaliação positiva da atuação de Barbosa na relatoria do processo:
— Eu classifico a atuação dele como muito boa. Do ponto de vista pessoal, foi corajoso; do ponto de vista técnico, meticuloso. Atuou como um médico legista, fazendo a autópsia dos fatos.
Ayres Britto era o principal aliado de Barbosa no tribunal. Com sua aposentadoria, o posto ficou com Luiz Fux, de quem tem ouvido conselhos e ponderações na condução da Corte. O ministro até acompanhou Barbosa a uma consulta médica no Rio de Janeiro, para tratamento de seu problema crônico nos quadris. Na festa para comemorar a posse de Barbosa na presidência do STF, em novembro, Fux se destacou ao subir ao palco e dedicar-lhe a canção “Dia de domingo”, de Tim Maia, que cantou e tocou na guitarra.
— Estou fazendo essa homenagem a meu querido amigo e ministro Joaquim Barbosa. Ele, em seu discurso, disse com todas as letras que nós, ministros e juízes, somos homens simples e do povo — disse, antes de tocar a canção.
O presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, Alexandre Camanho, classifica de revolucionária a atuação de Barbosa no julgamento do mensalão. Segundo ele, há muito tempo a sociedade esperava um juiz destemido, que acabou se materializando na figura do relator. Para o procurador, Barbosa fez história e deve se tornar uma referência a ser seguida no Judiciário.
— Acho que a atuação dele no mensalão, muito provavelmente pela origem dele no Ministério Público, foi a que a sociedade estava esperando há muitos anos. Foi o juiz que a sociedade estava esperando. Um juiz que, sem descuidar das garantias individuais, foi implacável com o crime. A sociedade já estava farta da indulgência com políticos, com a corrupção, com a rapina dos cofres públicos — disse Camanho.
Entre os advogados, Barbosa não é uma unanimidade. Ele impõe restrições para atender a categoria em audiências. Para o ministro, o correto é receber conjuntamente todas as partes do processo. O método dificulta a compatibilização de agendas em processos muito grandes — como, por exemplo, o mensalão, que tinha 40 acusados quando chegou à Corte. Mas o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante, elogia o ministro.
— Estive com ele em duas sessões do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), e o relacionamento foi o mais cordial. Há muita identidade de pensamento e de propósitos entre ele e a OAB, embora reconheça que há essa reclamação dos advogados quanto às audiências. Quero crer que isso possa ser algo a ser superado. Espero que ele entenda que o advogado é fundamental para o exercício amplo da defesa do cidadão — diz.
Ophir também enaltece a atuação de Barbosa na condução do processo do mensalão:
— Ele atuou como deve atuar um relator de processo, estudando o caso e aplicando a lei. É importante também destacar que a Suprema Corte exerceu seu papel de analisar qualquer caso, independentemente de envolver o mais humilde cidadão ou a mais graduada autoridade. A instituição é maior que os homens.
Amigos que conhecem Barbosa desde os tempos em que ele era um estudante pobre tentando encontrar um caminho na vida não se surpreenderam com o rigor do ministro no julgamento do mensalão. Mário César Pinheiro Maia, que foi chefe de Barbosa na gráfica do Senado no início da década de 70, diz que o ministro sempre foi reservado no trato pessoal e exigente em relação às obrigações profissionais. Nada diferente do que se viu nas longas sessões do julgamento.
— O Quincas, é assim que a gente o chama, sempre foi isso aí que todo mundo começou a admirar nele. Sempre teve personalidade forte. Mesmo com 19, 20 anos, tinha opiniões firmes — disse Maia, que fez parte do seleto grupo de antigos amigos convidados para a posse de Barbosa na presidência do STF.
Sem medo da polêmica
Cotas para negros
“A pobreza crônica que perpassa diversas gerações e atinge diversas camadas do nosso país dificulta o acesso à educação e à mobilidade social. O bloqueio socioeconômico confina milhares de brasileiros a viver na pobreza.”
União homoafetiva
“A Constituição fez uma clara opção pela igualdade, assumindo o compromisso de extinguir, ou pelo menos de mitigar, o peso das desigualdades fundadas no preconceito, estabelecendo de forma cristalina o objetivo de promover a justiça social e a igualdade de tratamento entre os cidadãos.”
Parentes advogados
“Eu sou visceralmente contra (parentes advogarem nos tribunais onde ministros atuam), porque isso fere o princípio da moralidade, do equilíbrio de forças que deve haver no processo judicial. Esses filhos, esposas, sobrinhos de juízes são muito acionados pelos seus clientes pelo fato de serem parentes. Não é por outra razão.”
Justiça desigual
“Nós temos desequilíbrios. Há lugares com muitos juízes, lugares com pouquíssimos, desaparelhados. Tribunais luxuosos que comandam um Poder Judiciário depauperado. Vejam como é um país de contrastes. E esse contraste se estende ao Poder Judiciário.”
Juiz e sociedade
“Pertence definitivamente ao passado a figura do juiz que se mantém distante (...), para não dizer inteiramente alheio aos valores fundamentais e anseios da sociedade na qual está inserido. No exercício da sua missão (...), o juiz deve, sim, sopesar e ter na devida conta os valores mais caros à sociedade na qual ele opera.”
Orgulho negro
“Em todos os lugares em que trabalhei, sempre houve um ou outro engraçadinho a tomar certas liberdades comigo, achando que a cor da minha pele o autorizava a tanto. Sempre a minha resposta veio na hora, dura. Mas isso não me impediu de ter centenas de amigos nos quatro cantos do mundo.”
JURADOS: Aluizio Maranhão, Ancelmo Gois, Ascânio Seleme, Luiz Antônio Novaes, Luiz Garcia, Merval Pereira e Míriam Leitão (O GLOBO); e Eduardo Eugenio Gouvêa Vieira (presidente da Firjan).